Seja bem vindo

"A literatura insinua e coloca questões muito mais do que as responde ou resolve."

-------------------Milton Hatoum, escritor brasileiro



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segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

MENSAGEM NATALINA


Trabalhamos arduamente todos os dias, semanas e meses do ano. Os dias são todos iguais, entretanto, dois deles tem significado especial para todos os seres do planeta, em qualquer lugar que estejam. Refiro-me ao Natal e ao Ano Novo. Nestas datas tão relevantes, nossos corações palpitantes pelos afazeres e problemas vividos durante o ano, diminuem seus batimentos, tornam-se mais serenos, ficam mais sensíveis, menos endurecidos. Esquecemos nossas diferenças e divergências, promovemos um armistício com os inimigos e concorrentes. No aconchego de nossos lares montamos as emblemáticas árvores de Natal. O lar é decorado a caráter; organizamos a mesa de jantar com iguarias e guloseimas típicas; vestimos a roupa nova, comprada especialmente para a ocasião, e na noite tão esperada trocamos presentes. O ambiente é preenchido pela alegria que emerge e todos vivem momentos de intensa felicidade. É momento de celebração. Este é o cenário grandioso do Natal que se estende com pequenas variações até o Ano Novo. Entretanto, não devemos esquecer o que passamos no ano que está por findar.

O instante é de reflexão, de introspectividade.

Contabilize o que vivenciou, os momentos de alegria e de dificuldades que viveu, em seu lar ou no local de trabalho. Conseguiu dar carinho e atenção à esposa e filhos na medida em que desejava e que eles esperavam? Concluiu projetos pessoais idealizados no passado? Conquistou a promoção profissional esperada? Conseguiu comprar a casa própria? Adquiriu o novo veículo que lhe proporcionará novas alegrias? Não cedeu à tentação materialista e doou valores e bens pessoais àqueles que não têm como melhorar suas vidas? Compadeceu-se da dor daqueles que vivem na miséria e no abandono, dor clamante e sôfrega, que ecoa dentro do coração daqueles que nada podem fazer para mudar seus destinos?

A vida é um labirinto pelo qual caminhamos sem saber onde vamos chegar. Caso não tenha executado ou concluído todas as interpelações acima, não desanime. Tenha consciência que nem tudo se realiza na medida em que desejamos, mas sim na medida em que estamos preparados ou não, para vivenciá-los. Tenha certeza de uma coisa: a felicidade é um sentimento par. Isso significa que precisa do próximo para se tornar real, sólida, crescente. Seja feliz ajudando seu semelhante, promovendo a paz, a harmonia e o bem coletivo. Somente assim, mesmo desconhecendo nossa missão neste mundo pelo qual passamos muito rapidamente, estaremos no caminho da LUZ.

FELIZ NATAL


E PRÓSPERO


ANO NOVO 2010

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A MULHER E O SALTO ALTO

Quem criou o salto alto para a mulher estava inspirado no desejo. Pensava em criar algo que acrescido à silhueta feminina lhe proporcionasse uma nova aparência, uma nova dimensão. A criação seria algo que lhe desse um reforço na sensualidade, despertando a libido masculina. E realmente isso aconteceu. Sem dificuldades, percebem-se nas ruas que os olhares masculinos se dirigem cobiçosos preferencialmente para aquelas que adornam sua imagem com peça de expressivo valor. A anatomia de uma mulher dotada de salto alto é outra. Ela se torna mais ereta, mais elegante, mais sedutora. Parece haver uma interação perfeita entre ambas. O salto alto proporciona um andar bamboleante, a ginga fica mais sensual, os quadris empinam e os seios entram em destaque. E uma mulher de salto alto, na multidão do caos do dia-a-dia, é figura inequívoca, pois demonstra caráter seguro, que tem domínio de si e que sabe o que quer e como provocar que seus desejos se realizem.

Nas propagandas de lingerie, nos comerciais de automóveis, nas telenovelas e no primeiro encontro entre um homem e uma mulher, na maioria das vezes, elas usam e abusam do salto alto. Convertem-se em fêmeas altas, esguias, vistosas. Quanto mais fino o salto, mais atraente e provocante se transforma a mulher. E o que muitos pensam, não é o pé propriamente o fetiche de uma parcela dos homens, mas o salto alto que o adorna. Mulheres não costumam vestir uma lingerie para uma noite de amor e ficar descalças ou usar um sapato de salto baixo. Qual calçado que usam e que mais combina com a peça íntima que desperta o desejo masculino? Não há outra escolha, outra opção. Sapato ou sandália de salto alto, o mais alto e fino salto que puderem usar, nem que somente o usem para abrir a porta da alcova e levar seu futuro amante para o leito do amor estará nos pés daquelas que querem apimentar a relação. Calçado de salto baixo é usado por quem perdeu a autoestima ou tem que andar durante muito tempo no trabalho ou nas ruas. Salto alto é para as mulheres seguras, para aquelas que se vestem para arrasar, para conquistar até o fio de cabelo daquele homem mais desatento que ao vê-la ficará imaginando como seria dormir com aquela “poderosa”.

Experimente contemplar os modelos de calçados femininos com salto alto que se encontram expostos nas sapatarias e lojas de calçados. Existem saltos altos que são verdadeiras obras de arte, concebidos por estilistas dos pés que põem toda sua criatividade em favor da elegância e sensualidade da mulher. E os modelos, com o passar dos anos e o avanço tecnológico, apresentam-se nas mais diversas formas e cores exóticas. Existe salto alto para todos os gostos. Os altíssimos, nos quais mulheres se equilibram como malabaristas. Os altos e grossos, que proporcionam aumento na estatura e firmeza no andar, causando a impressão que sua portadora não teme o que tem pela frente, esmagando o que se antepor a ela. Os altos e muito finos, indicam mulheres resolutas, que determinam seus próprios destinos. Os altos e finos, em estilo futurista, que mantém semelhança com os carros-conceito de feiras automobilísticas indicam mulheres além do seu tempo. E haja modelo, escapam e surpreendem nossa ingênua imaginação.

Não tenho inclinações para a podolatria, mas até poderia reexaminar minhas vocações, pois a maioria dos homens não se furta em olhar para pés delicados e bem ornados por um salto alto. Inconscientemente, eles as admiram pela capacidade de se equilibrarem num objeto que lhes traz beleza, elegância, mas também profundo desconforto. O poder atrativo e obscuro que o salto alto exerce na psiquê masculina até hoje a ciência e seus criadores – os estilistas – ainda não sabem explicar.

Quando esbarrar ou se deparar com uma mulher usando um sapato de salto alto, cuidado com ela. Se o objetivo dela é você, pela dissuasão, tente fazê-la deixar a arma que tem nos pés debaixo da cama. Caso contrário, prepare-se. Poderá ser espetado pelo salto que atraiu seu olhar no instante que a viu.

sábado, 5 de dezembro de 2009

A VINGANÇA DOS DERROTADOS

UM CAFEZINHO E... EU PAGO A PROSA

Para os menos interessados ou alheios à mídia, o título deste artigo logo nos lembra o recém-lançado filme de robôs conhecidos pela meninada e muitos grandões chamado Transformers. Se perguntar sobre o assunto do filme a maioria vai lembrar, de cara, da morenaça que é namorada do adolescente galã da fita hollywoodiana. Mas esclarecendo, trata-se da eterna luta entre o supremo poder do bem e o mal, incorporados pelas máquinas bizarras denominadas de Autobots e Decepticons. O título dá a deixa que os que perderam a guerra no primeiro episódio agora irão à revanche. Muito bonito e emocionante na ficção. Entretanto, o título também me reporta a alguns fatos históricos.

A vingança dos derrotados lembra uma passagem bíblica, Apocalipse (6,9-14), no qual lê-se: “...vi debaixo do altar as vidas daqueles que tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus e por causa do testemunho que dela tinham dado. Eles gritaram em voz alta: ‘Senhor santo e verdadeiro, até quando tardarás em fazer justiça, vingando o nosso sangue contra os habitantes da terra?’... Também foi dito a eles que descansassem mais um pouco de tempo, até que ficasse completo o número de companheiros e irmãos, que iriam ser mortos como eles”. Nesta passagem, segundo a bíblia, ocorrerá a vingança dos que foram injustamente mortos por defenderem e acreditarem nas palavras de Jesus Cristo. O mundo sofrerá abalos sísmicos fortíssimos e mudanças bruscas ocorrerão na natureza, levando aqueles que cometeram pecados e foram contra os princípios cristãos a sofrer desgraças nunca imaginadas.

A vingança dos derrotados nos faz imaginar como seria a vingança dos milhões de negros que foram escravizados por vários anos, em países escravocratas. Sequestrados de sua terra natal – que era o continente africano – foram levados em navios negreiros para longe, para servirem às vontades e aos caprichos de um senhor, como se fossem sua propriedade. Transformaram-se em escravos, para atender os mercados europeus que necessitavam de mão-de-obra em suas colônias agrícolas na América. Viviam em barracões conhecidos como senzalas e tinham como “adornos” correntes que não só lhes tirava a liberdade e tolhiam os movimentos, mas lhes traziam humilhação, desgosto e profunda agonia. Trabalhavam até a morte, a fim de cumprirem a finalidade de “servir a seus senhores”. Imagine se estes seres que viveram sob perpétuo sofrimento pela cor de sua pele, pudessem retaliar tudo que sofreram na mão de seus carrascos, colocando-os no açoite; obrigando-os a transportar pesadas cargas; impingindo-os a ficar doentes nos porões fedorentos de navios negreiros; a passar fome e trabalhar exaustivamente sob o sol escaldante; a sofrer castigos injustamente; a viver na condição de animais. A extinção da escravatura não extinguiu a dor e o sofrimento daqueles que um dia foram tratados e morreram como escravos. Seria uma genuína vingança dos derrotados.

A vingança dos derrotados nos faz pensar como seria a desforra de milhões de pessoas, politicamente indesejadas pelo regime nazista de Adolf Hitler, que foram exterminadas em campos de concentração na Segunda Guerra Mundial, evento que ficou conhecido como Holocausto. Estes inocentes eram judeus, testemunhas de Jeová, sacerdotes católicos, pacientes psiquiátricos, militantes comunistas, homossexuais, ciganos, eslavos, deficientes físicos, deficientes mentais, prisioneiros de guerra soviéticos, membros da elite intelectual polaca, russa, ativistas políticos, etc. Quando de sua chegada aos campos de concentração eram divididos em dois grupos: os muito fracos para trabalhar eram logo assassinados em câmaras de gás e seus corpos queimados; e os demais eram inicialmente empregados como mão-de-obra escrava em fábricas e indústrias localizadas nas proximidades dos campos, para depois, quando não mais servissem aos objetivos espúrios dos nazistas, serem levados ao mesmo destino dos primeiros. Como seria se estes milhões de almas atormentassem seus algozes na mesma medida em que sofreram, impingindo-os aos sacrifícios e impiedades que foram obrigados a vivenciar. Seria a justiça que não ocorreu.

A vingança dos derrotados nos lembra a vingança perpetrada recentemente por Geysa Arruda, uma jovem universitária que não se curvou a ditadura da magreza, que não é esquelética, não passa fome (pelo menos é o que parece), e que por ser “cheinha” e usar roupas justas e atraentes foi xingada e quase agredida na Uniban, em São Bernardo do Campo, no Estado de São Paulo. Aqueles que por preconceito, inveja ou bullying, desejavam imolá-la ficaram estarrecidos depois de entregá-la ao quarto poder – entenda-se mídia – com o objetivo de humilhá-la publicamente e acabaram elevando-a a condição de celebridade, em velocidade fantástica, com direito a convite para pousar nua na revista Playboy e, segundo me consta, com proposta para uma propaganda de lingerie cujo cachê deve girar em torno de R$ 500 mil. A garota ficou bem de vida da noite para o dia! Enquanto seus medíocres colegas de faculdade não saíram do buraco de onde vivem a gritar por causas inglórias. Ela representa a vingança das “gordinhas” que vivem a sofrer com um padrão de beleza irreal, que bonifica esqueletos cobertos por tênue camada de pele ressequida; “gordinhas” que sofrem com regimes opressores; que não encontram roupas em tamanho confortável nas lojas e são constrangidas por suas vendedoras, e principalmente, são desprezadas pelos homens que infantilmente acham que as magras são referência física de felicidade. Que revanche!

A vingança dos derrotados nos faz imaginar como seria – talvez a maior de todas as vinganças – a revanche dos pobres, dos oprimidos, dos famintos, daqueles que não tem o que vestir, que vivem em lixões, favelas, casebres, que vivem mendigando nas ruas, que sobrevivem na Etiópia, tolhidos e humilhados pela rica e injusta sociedade contemporânea. Seria interessante contemplar os ricos que moram em palácios suntuosos, cobertos de ouro e pedras preciosas, comendo do bom e do melhor, com carros luxuosíssimos, usando roupas e jóias caríssimas, com aviões particulares repletos de confortos tecnológicos; passando fome, andando em farrapos, pedindo por comida e comendo restos, dormindo junto ao esgoto e debaixo de pontes, vasculhando o lixo em busca de uma migalha de pão velho, sendo surrados pela polícia e encarcerados sem direito a habeas corpus, sem qualquer esperança de um futuro melhor. Imagine essa vingança!

A vingança não traz a paz, a harmonia, o perdão. Ela, infelizmente, é o instrumento de justiça que restitui o respeito e a aceitação incondicional àqueles que deixaram de ser vistos por seus semelhantes como pessoas dignas, como indivíduos que independentemente da cor de sua pele, credo, tipo físico, comportamento, sexualidade ou condição social, mereciam ser tratados como seres humanos que eram.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

TÍSICO

Eu emagrecia lenta e progressivamente, sem dar conta disso. Todas as noites a sudorese umedecia o lençol, e depois o colchão, que passou a ter o cheiro do meu corpo que adelgaçava. Numa manhã eu percebi, mas o contínuo cansaço mascarou a imundície. No transcurso da madrugada meu sono era interrompido, algumas vezes, pela tosse. A dor inusitada que mesmo leve percorria o peito, incomodava, restringia meus movimentos pelo medo. Sempre tive medo de dores no peito, talvez pela morte de minha avó que nunca conheci e que minha mãe disse ter morrido de infarto. Creio que adquiri a enfermidade em alguma prosa com amigos, entre um cafezinho e outro. Talvez de um amigo que tossiu, espirrou ou na retórica de um falso erudito que lançou os bacilos no ar. Possivelmente inalei um ou mais germes que penetraram infaustos em meus pulmões. O diagnóstico demorou, porque posterguei a consulta. A tosse que persistia por semanas e a evolução da discreta anorexia me alertaram para o precipício que eu caminhava, contudo as desprezei. O trabalho e o prazer que ele me proporcionava dominavam minha atenção. Fora difícil fixar-me naquele emprego depois de peregrinações trabalhistas. Outros tinham melhores qualificações, todavia eu acreditava na minha vocação e no meu talento. A persistência da sensação de febre baixa, numa tarde deixou-me preocupado. A noite avançou e adormeci, achando que era apenas mal-estar decorrente de um longo dia de trabalho na redação. No dia seguinte, durante a higiene matinal, após lavar o rosto encovado escarrei na pia do banheiro. A nódoa densa e avermelhada me assustou. Algo estava errado. Fui ao médico e depois de alguns exames ele constatou que eu estava com tuberculose. Tentou não me assustar, mas era tarde. Disse-me que a desnutrição, o tabagismo e o consumo exagerado de álcool eram fatores que interferem na redução das defesas do organismo, aumentando a possibilidade do aparecimento da doença. Eu relatei que não fumava, procurava me alimentar bem e era avesso ao álcool. Então ele alegou que o uso exagerado de corticosteróides poderia aumentar o risco de formas graves da doença. Depois de tanta argumentação, a dor no peito aumentou. Efeito psicológico ou não, o sintoma se exacerbou. Receitadas as drogas, voltei ao trabalho. E não faltava trabalho na redação do jornal. O diretor me incumbira de uma reportagem laboriosa, além do artigo semanal o qual eu era responsável. Tentei ponderar, envergonhando-me de dizer que fora acometido por uma das principais doenças causadoras de altos índices de mortalidade no mundo. Mas faltaram-me argumentos. Não, faltou-me coragem. Se eu revelasse meu estado de saúde, com a pandemia de AIDS e sua associação com a tuberculose que ocorre atualmente, talvez o diretor ficasse repulsivo e certamente, no cafezinho, espalharia meu infortúnio. Pensariam que eu era um promíscuo, talvez até um homossexual enrustido. E aquela morena recém-admitida que eu observava sequiosamente, quando soubesse, eliminaria todas as minhas chances de dormir com ela. Quanta tormenta. Preferi ocultar tudo e segui no labor de minhas tarefas. Iniciei o tratamento, conhecido como quimioterapia de curta duração. O tratamento era para durar seis meses, o qual mesmo me sentindo melhor eu não deveria interromper. Mas traí a mim mesmo. A melhora repentina, a absorção causada pelos afazeres profissionais e a aventura amorosa que enveredei com a possante morena me fizeram esquecer o tratamento. Eu me sentia forte novamente, estimulado pelo sexo ardoroso que a morena me proporcionava e pela progressão positiva do trabalho. Minha amante abandonou-me depois de três semanas de peripécias na alcova. Foi transferida para outra filial para se tornar amante de um dos poderosos da diretoria do jornal. Frustrado, mergulhei mais ainda na reportagem que não havia concluído para tentar esquecê-la. Eu passava o dia quase sem comer, uma anorexia que considerei saudável, pois não me compelia a parar de trabalhar causando uma solução de continuidade. Numa noite, sob a luminária, digitando algumas páginas de minha empreitada, senti novamente a dor que deixara de existir no início do tratamento. Seria um mal-estar decorrente do excesso de trabalho. Toquei o cenho e tive a sensação de febre baixa. Achei que fosse cisma devido ao fim do relacionamento e da exaustão causada pelo contínuo trabalho. Passaram-se alguns dias e ressurgiu a tosse, que passou a atormentar-me mais do que nunca. Numa manhã, no instante que sentei na cama senti uma pontada no peito. Fiquei assustado. Minha mão trêmula tocou o lençol e percebi que estava úmido. Levantei-o e o meu cheiro se evolou do colchão. Deixei a cama e me dirigi para o banheiro. No percurso, notei a sensação de fraqueza. Iniciei minha higiene e percebi como estava magro. Magérrimo. Uma sensação de insegurança me dominou. Novamente algo estava errado.

A expressão do médico depois do meu relato de sintomas foi sarcástica e preocupante. Ele me disse que a interrupção da quimioterapia de curta duração permitia que muitos bacilos permanecessem vivos e escondidos em partes remotas dos pulmões. Franzi o cenho e um calafrio percorreu minha espinha, dos quadris a nuca, causando-me rigidez. Despótico, o médico esclareceu que os bacilos remanescentes possivelmente se tornaram mais fortes e mais agressivos, multiplicando-se rapidamente. Ele solicitou novos exames que não demorei a fazer. Os resultados chegariam dentro de alguns dias.

Voltei para casa, desolado. O apartamento se tornara menor. Suas paredes pareciam comprimir-se sobre mim. Meus sentidos se reduziam, causando-me a impressão que eu me extinguia. A água quente do chuveiro me relaxava os músculos, amenizando a tensão que adquiri no consultório do médico. Deixei os feixes úmidos atacarem minha nuca enrijecida por um longo tempo. Surgira uma dor de cabeça. Tossi algumas vezes e numa oportunidade cuspi no chão do box. O escarro apresentava manchas de sangue. Fiquei mais atemorizado. Com os cabelos ainda molhados e vestindo um robe, sentei-me numa das poltronas da sala. Meu olhar entibiado pairou sobre o teclado do computador. Meu entusiasmo e minha energia para trabalhar foram sequestrados para algum lugar e uma dor intestinal tomou-lhes o lugar. Com ela, surgiram intermitentes dores no peito. O médico não fora nada otimista em suas palavras. Dissera que a taxa de cura com a quimioterapia eram superiores a 95%, entretanto, eu fora acometido de uma reincidente e nessa situação a doença se agravava significativamente. Senti a dor no peito. Em seguida, tossi e sem que pudesse evitar uma golfada de escarro fugidio caiu no tapete. Medrei, medrei como nos tempos de garoto, naquelas situações em que pensei que ia morrer que não conseguiria tornar-me adulto e gozar das belezas e sabores da vida. Com a reincidência havia a possibilidade que eu engrossasse a porcentagem de mortalidade. Tentei não me desesperar, mas é possível alguém não se desesperar diante da possibilidade de morrer tão jovem? Eu estava com apenas trinta anos de idade e estava cheio de planos para o futuro. Pensei em beber um copo de leite. Quando levantei, tive a sensação de fraqueza, das pernas afrouxarem ante o movimento. Meus sentidos se extinguiam novamente e esta sensação era como se eu estivesse sendo apagado do mundo, como se a vida estivesse se esvaindo de dentro de mim. Passei a caminhar em direção a cozinha. O movimento das pernas era dificultoso e fraqueza se agravava. No instante que entrei na cozinha, tudo começou a girar. Tentei caminhar até a bancada, contudo desmoronei muito antes de alcançá-la. Meu corpo bateu no piso frio. Tudo ao redor girava. A dor no peito aumentava. Meu rosto se contraiu e lágrimas passaram a correr pelos cantos dos olhos. Eu queria gritar, pedir ajuda, entretanto minha voz era sufocada na garganta. Respirava com dificuldade e o ar parecia tornar-se mais rarefeito. Continuei tentando gritar e a minha visão se turvou.

Minhas pálpebras estavam cerradas e eu não conseguia erguê-las. Percebia meu corpo inerte, em repouso sobre uma cama fria. Minha respiração era precedida por um som mecânico que preenchia meus pulmões de ar. O som de vozes desconhecidas ao redor invadia meus ouvidos. Com dificuldade, identifiquei que uma delas pertencia ao médico que me assistia no tratamento da tuberculose.

- Não entendo o que houve...


- Ele é cardiopata?


- Não, não é...


- Então o que houve?


- Eu o tratava de uma tuberculose... executei o tratamento padrão, iniciando com a quimioterapia, mas ele não a cumpriu integralmente.


- Então ele é mais um daqueles que logo que se sentiu bem parou de tomar os remédios...


- Sim, mais um... e eu o avisei, recomendei que não parasse com os medicamentos, mas...


- É uma pena... um homem tão jovem, tão bonito...

Percebi que a segunda voz era doce, meiga, de uma mulher, provavelmente de uma médica.

- Ele acabou tendo uma reincidência e a doença se agravou... e muito...


- Também, com a saúde tão debilitada não é estranho essa parada cardíaca... pobre coitado, se escapar dessa...


- Se escapar...

Ouvi passos e as vozes foram se afastando, se afastando, até que desapareceram. O desespero me dominou. Eu queria me comunicar, avisar que não estava morto, que ainda havia chance para mim, que deveriam lutar para me salvar. Tentei gritar, mover minhas mãos, minhas pernas, no entanto nada respondia. Havia vontade, mas faltava energia. Um estado de desesperança tomou conta de mim. Eu quis chorar, mas não consegui. Momentos depois, os sons ao redor foram diminuindo de volume. Devagar, muito devagar. Fiquei novamente aflito. O que estaria acontecendo? O som dos aparelhos que me assistiam começou a reduzir-se. A luminosidade do ambiente, que eu percebia mesmo de olhos fechados, também foi diminuindo. Súbito, tive a impressão de cair, de ser arrebatado vertiginosamente para as profundezas escuras e a frialdade da imensidão me envolveu. A aflição se arrefeceu e um torpor me subjugou. Não havia porque gritar. Não havia mais porque chorar.