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"A literatura insinua e coloca questões muito mais do que as responde ou resolve."

-------------------Milton Hatoum, escritor brasileiro



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sábado, 5 de dezembro de 2009

A VINGANÇA DOS DERROTADOS

UM CAFEZINHO E... EU PAGO A PROSA

Para os menos interessados ou alheios à mídia, o título deste artigo logo nos lembra o recém-lançado filme de robôs conhecidos pela meninada e muitos grandões chamado Transformers. Se perguntar sobre o assunto do filme a maioria vai lembrar, de cara, da morenaça que é namorada do adolescente galã da fita hollywoodiana. Mas esclarecendo, trata-se da eterna luta entre o supremo poder do bem e o mal, incorporados pelas máquinas bizarras denominadas de Autobots e Decepticons. O título dá a deixa que os que perderam a guerra no primeiro episódio agora irão à revanche. Muito bonito e emocionante na ficção. Entretanto, o título também me reporta a alguns fatos históricos.

A vingança dos derrotados lembra uma passagem bíblica, Apocalipse (6,9-14), no qual lê-se: “...vi debaixo do altar as vidas daqueles que tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus e por causa do testemunho que dela tinham dado. Eles gritaram em voz alta: ‘Senhor santo e verdadeiro, até quando tardarás em fazer justiça, vingando o nosso sangue contra os habitantes da terra?’... Também foi dito a eles que descansassem mais um pouco de tempo, até que ficasse completo o número de companheiros e irmãos, que iriam ser mortos como eles”. Nesta passagem, segundo a bíblia, ocorrerá a vingança dos que foram injustamente mortos por defenderem e acreditarem nas palavras de Jesus Cristo. O mundo sofrerá abalos sísmicos fortíssimos e mudanças bruscas ocorrerão na natureza, levando aqueles que cometeram pecados e foram contra os princípios cristãos a sofrer desgraças nunca imaginadas.

A vingança dos derrotados nos faz imaginar como seria a vingança dos milhões de negros que foram escravizados por vários anos, em países escravocratas. Sequestrados de sua terra natal – que era o continente africano – foram levados em navios negreiros para longe, para servirem às vontades e aos caprichos de um senhor, como se fossem sua propriedade. Transformaram-se em escravos, para atender os mercados europeus que necessitavam de mão-de-obra em suas colônias agrícolas na América. Viviam em barracões conhecidos como senzalas e tinham como “adornos” correntes que não só lhes tirava a liberdade e tolhiam os movimentos, mas lhes traziam humilhação, desgosto e profunda agonia. Trabalhavam até a morte, a fim de cumprirem a finalidade de “servir a seus senhores”. Imagine se estes seres que viveram sob perpétuo sofrimento pela cor de sua pele, pudessem retaliar tudo que sofreram na mão de seus carrascos, colocando-os no açoite; obrigando-os a transportar pesadas cargas; impingindo-os a ficar doentes nos porões fedorentos de navios negreiros; a passar fome e trabalhar exaustivamente sob o sol escaldante; a sofrer castigos injustamente; a viver na condição de animais. A extinção da escravatura não extinguiu a dor e o sofrimento daqueles que um dia foram tratados e morreram como escravos. Seria uma genuína vingança dos derrotados.

A vingança dos derrotados nos faz pensar como seria a desforra de milhões de pessoas, politicamente indesejadas pelo regime nazista de Adolf Hitler, que foram exterminadas em campos de concentração na Segunda Guerra Mundial, evento que ficou conhecido como Holocausto. Estes inocentes eram judeus, testemunhas de Jeová, sacerdotes católicos, pacientes psiquiátricos, militantes comunistas, homossexuais, ciganos, eslavos, deficientes físicos, deficientes mentais, prisioneiros de guerra soviéticos, membros da elite intelectual polaca, russa, ativistas políticos, etc. Quando de sua chegada aos campos de concentração eram divididos em dois grupos: os muito fracos para trabalhar eram logo assassinados em câmaras de gás e seus corpos queimados; e os demais eram inicialmente empregados como mão-de-obra escrava em fábricas e indústrias localizadas nas proximidades dos campos, para depois, quando não mais servissem aos objetivos espúrios dos nazistas, serem levados ao mesmo destino dos primeiros. Como seria se estes milhões de almas atormentassem seus algozes na mesma medida em que sofreram, impingindo-os aos sacrifícios e impiedades que foram obrigados a vivenciar. Seria a justiça que não ocorreu.

A vingança dos derrotados nos lembra a vingança perpetrada recentemente por Geysa Arruda, uma jovem universitária que não se curvou a ditadura da magreza, que não é esquelética, não passa fome (pelo menos é o que parece), e que por ser “cheinha” e usar roupas justas e atraentes foi xingada e quase agredida na Uniban, em São Bernardo do Campo, no Estado de São Paulo. Aqueles que por preconceito, inveja ou bullying, desejavam imolá-la ficaram estarrecidos depois de entregá-la ao quarto poder – entenda-se mídia – com o objetivo de humilhá-la publicamente e acabaram elevando-a a condição de celebridade, em velocidade fantástica, com direito a convite para pousar nua na revista Playboy e, segundo me consta, com proposta para uma propaganda de lingerie cujo cachê deve girar em torno de R$ 500 mil. A garota ficou bem de vida da noite para o dia! Enquanto seus medíocres colegas de faculdade não saíram do buraco de onde vivem a gritar por causas inglórias. Ela representa a vingança das “gordinhas” que vivem a sofrer com um padrão de beleza irreal, que bonifica esqueletos cobertos por tênue camada de pele ressequida; “gordinhas” que sofrem com regimes opressores; que não encontram roupas em tamanho confortável nas lojas e são constrangidas por suas vendedoras, e principalmente, são desprezadas pelos homens que infantilmente acham que as magras são referência física de felicidade. Que revanche!

A vingança dos derrotados nos faz imaginar como seria – talvez a maior de todas as vinganças – a revanche dos pobres, dos oprimidos, dos famintos, daqueles que não tem o que vestir, que vivem em lixões, favelas, casebres, que vivem mendigando nas ruas, que sobrevivem na Etiópia, tolhidos e humilhados pela rica e injusta sociedade contemporânea. Seria interessante contemplar os ricos que moram em palácios suntuosos, cobertos de ouro e pedras preciosas, comendo do bom e do melhor, com carros luxuosíssimos, usando roupas e jóias caríssimas, com aviões particulares repletos de confortos tecnológicos; passando fome, andando em farrapos, pedindo por comida e comendo restos, dormindo junto ao esgoto e debaixo de pontes, vasculhando o lixo em busca de uma migalha de pão velho, sendo surrados pela polícia e encarcerados sem direito a habeas corpus, sem qualquer esperança de um futuro melhor. Imagine essa vingança!

A vingança não traz a paz, a harmonia, o perdão. Ela, infelizmente, é o instrumento de justiça que restitui o respeito e a aceitação incondicional àqueles que deixaram de ser vistos por seus semelhantes como pessoas dignas, como indivíduos que independentemente da cor de sua pele, credo, tipo físico, comportamento, sexualidade ou condição social, mereciam ser tratados como seres humanos que eram.

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