Seja bem vindo

"A literatura insinua e coloca questões muito mais do que as responde ou resolve."

-------------------Milton Hatoum, escritor brasileiro



Contador de visitas

terça-feira, 24 de agosto de 2010

UM HOMEM CHAMADO MACÁRIO (10)

- Somos de família pobre... a Débora sempre foi responsável, mas ultimamente ela andava estranha... tentei descobrir o que era, afinal éramos amigas, mas ela não falava sobre o que andava fazendo ou com quem saía...

Silvana abaixou a cabeça e ficou calada por um instante.

- O quê você está pensando? – perguntou Macário.

- Ela sempre estava estudando, era muito dedicada aos estudos, mas nesses dois dias da semana, ela ficava diferente, ansiosa, conversava pouco e abandonava qualquer coisa, para sair, não dizendo para onde ia... só voltava no dia seguinte, pela manhã, sempre exausta, e dormia o dia inteiro...

Atentamente, Macário fazia anotações.

- A Débora tinha algum namorado? – indagou Castilho.

- Não, ela não era uma garota de namorar... estava quase sempre sozinha, que eu saiba ela não tinha namorado...

- Ela lhe confidenciava coisas íntimas? – perguntou Castilho.

- Não, nem tudo... ela conversava muito comigo, falava de seus desejos, de se formar e ter um bom emprego, mas algumas coisas ela não dizia.

- O que seria, por exemplo? – indagou Macário.

- Eu perguntei algumas vezes onde ela conseguia dinheiro para comprar aquelas roupas e sapatos tão caros, você sabe a gente pergunta, mas ela mudava de assunto, ficava de cara feia...

- O dinheiro não seria o enviado pelos pais? – perguntou Macário.

- Somos pobres, os pais dela mandavam pouco dinheiro, eu vi alguns extratos bancários da conta da Débora... eles mandavam o que dava para comer e viver.

- Ela conversava assuntos íntimos com as garotas da república? – perguntou Castilho.

- Não, ela não costumava se envolver com as outras garotas... conversava mais comigo e pouco falava de sua intimidade.

- Quantas meninas moram aqui na república?

- Somos seis.

- Você está sozinha? – indagou Castilho.

- Sim, as outras estão fora...

- Alguma delas, em algum momento, comentou alguma coisa sobre a Débora, sobre algum relacionamento que ela possa ter tido com algum homem da cidade? – inquiriu Macário.

- Não que eu saiba.

- Ela trabalhava ou trabalhou em algum lugar, aqui na cidade? – perguntou Castilho.

- Não que eu saiba... como eu disse, os pais dela mandam dinheiro para as despesas.

Macário olhou em derredor, para depois encarar Silvana.

- Você disse que dividia o quarto com a Débora... – observou ele.

- Sim.

- Podemos dar uma olhada no quarto, nos pertences dela? – perguntou Macário.

A jovem titubeou. O detetive fitou-a nos olhos.

- É importante para a investigação – insistiu ele.

- Tudo bem, eu mostro para vocês.

Ela levantou-se e foi seguida pelos detetives, dirigindo-se para uma das portas que havia no pequeno corredor. Castilho repousou o olhar nos quadris que embalavam harmoniosamente a sua frente.

- É aqui, vocês podem mexer no que quiserem.

A dupla entrou no cômodo e passou a vasculhar o local. Não havia roupas e objetos espalhados pelo quarto. As jovens não costumam apresentar o senso de organização – um dos fatores incondicionais do sucesso – principalmente na fase universitária. Todavia, pela arrumação do quarto, as duas jovens interioranas demonstravam que além de organizadas eram cuidadosas com seu recanto. Cada coisa estava no seu devido lugar. Livros, revistas, bolsas, sapatos e tantos outros objetos de uso pessoal.

Encostada no umbral da porta, Silvana ficou a observar a dupla em ação. Macário verificou roupas, calçados e bolsas. Castilho inspecionou livros, cadernos e o conteúdo das gavetas da cômoda. Passados alguns minutos, a jovem perguntou:

- Encontraram alguma coisa importante?

Macário cessou sua busca e disse:

- Aparentemente não... – ele ficou encarando-a por um instante – por acaso lembra se alguma vez Débora comentou alguma coisa sobre uma boate chamada Rosas da Noite?

A jovem desviou o olhar, hesitante, temendo ser traída por sua memória saturada de informações escolares. O olhar perdido em algum canto do quarto reencontrou o semblante do detetive.

- Não, não lembro dela ter dito alguma coisa sobre essa boate... por que é importante?

- Talvez... encontramos uma caixa de fósforos com uma propaganda da casa noturna, na bolsa de Débora – esclareceu Macário – você sabe ou ouviu alguma coisa a respeito dessa boate por alguma das garotas que residem na república?

- Não, ela nunca falou nada sobre essa boate e eu nem ouvi nada pelas meninas.

Castilho aproximou-se com uma fotografia, a qual estava no interior de uma agenda que pertencia à universitária assassinada.

- Precisamos de uma fotografia atual da Débora – disse Castilho. – Podemos levar esta que estava na agenda?

A jovem assentiu.

- E a agenda? – perguntou Castilho. – Também podemos levar?

- Podem levar o que quiserem, se ajudar em alguma coisa...

O grupo retornou à sala.

- Você tem como avisar a família o que aconteceu? – perguntou Macário.

- Sim, eu posso avisar os pais dela, mas como será esse negócio de velório, de enterro, eu não entendo dessas coisas... estou tão nervosa...

- Apenas ligue para a família e peça que venham para a cidade – orientou Castilho entregando um pequeno cartão à jovem. – Diga que procurem este policial... ele irá orientá-los com relação o que fazer e como proceder.

- Obrigada, mas o que eu digo que aconteceu?

Os detetives entreolharam-se.

- Diga que aconteceu uma fatalidade com ela, que a polícia informou que ela sofreu um acidente e que eles devem vir rapidamente para cá – orientou Macário.

- Está bem, obrigada, eu já vou ligar.

- Caso lembre de alguma coisa, qualquer coisa sobre a Débora, entre em contato conosco – disse Castilho.

- Bom, nós já vamos indo – despediu-se Macário.

A dupla dirigiu-se para a escada, seguido pela jovem, quando Macário estacou. Volvendo o corpo, ele fitou-a nos olhos.

- Silvana, eu tenho só mais uma pergunta...

- O que é? – retrucou a jovem de olhos marejados.

- A Débora fumava?

- Sim, ela fumava, por quê?

- Sabe qual a marca de cigarro preferida por ela?

- Acho que era Derby... não tenho certeza.

- Obrigado, até logo.

Os detetives desceram a escada e chegaram na rua. Passaram a caminhar em direção à rodoviária. Castilho acendeu um cigarro e tragou, para saciar um prazer contido durante o interrogatório que ocorreu minutos antes. Ele encarou o colega e disse:

- O que você achou?

- Encontramos a república e pelo menos descobrimos alguma coisa... a Débora era uma garota pobre, do interior, de família humilde... provavelmente suscetível a todo tipo de malefícios... acabou se envolvendo com quem não devia e se meteu em encrencas...

Súbito, Macário silenciou. O olhar fixou-se no vazio, indiciando o divagar da mente que perlustrava as informações que se aglutinavam.

- O que foi? – perguntou Castilho.

- Você percebeu o guarda-roupa da Débora?

- O que tem ele?

- Como se explica o fato de uma garota pobre ter roupas tão finas, que custam muito caro?... se a família é pobre e enviava dinheiro, provavelmente remetia um quantitativo que apenas supria suas necessidades básicas, nada que fosse suficiente para que ela comprasse roupas e objetos femininos que custam caro...

- Aonde quer chegar?

- Eu que pergunto: de onde vinha o dinheiro para compra de roupas finas, que vimos no armário, e as jóias, que encontramos nas gavetas da cômoda?

- Não é fácil ganhar dinheiro, a não ser que...

- A Débora além de universitária fosse...

- Garota de programa?

Macário balançou a cabeça em afirmação.

- Ela confidenciava suas intimidades a amiga de quarto, mas nunca falou nada sobre a boate Rosas da Noite – disse Macário. – Acho isso estranho... e mais estranho o fato de ser uma garota recatada, de não namorar, como disse a amiga, e acabar se envolvendo com o Alcides...

- Talvez não tivesse vergonha de ser vagabunda e por isso não contava nada para a amiga...

- Pode ser, pode ser...

- A Débora para se envolver com o Alcides devia ser garota de programa...

- Tudo indica que sim... e isso nós vamos investigar.

Macário consultou o relógio.

- As horas passaram e nós nem percebemos... vamos para o velório?

- Ok.

Nenhum comentário:

Postar um comentário