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"A literatura insinua e coloca questões muito mais do que as responde ou resolve."

-------------------Milton Hatoum, escritor brasileiro



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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

UM HOMEM CHAMADO MACÁRIO (9)

A grande demanda de jovens vindos de outras cidades, que iriam cursar a universidade federal de São João del Rei, e a oportunidade de lucro pelos proprietários de residências particulares que se encontravam vazias foram os fatores da relação de causa e efeito que gerou um forte e constante aquecimento no setor imobiliário local. O atendimento desta necessidade fez surgir aquilo que comumente chamou-se de república. E cada uma delas, em sua natureza e estruturação, recebia de seus integrantes um designativo muitas vezes jocoso.

República das Meninas das Geraes. A busca por esta república, em particular, era uma atividade que exigiria paciência e perseverança, qualidades que não faltavam a Macário. A universidade dividia-se em campus, diametralmente opostos, sendo um deles denominado de Santo Antônio e o outro de Dom Bosco. Seu instinto detetivesco orientou-o no sentido de que a procura fosse iniciada pela área onde se localizava o segundo campus, onde eram desenvolvidos os cursos de Psicologia, Ciências Biológicas, História, Letras, Pedagogia, Filosofia, Matemática, Química e Física.

A dupla de detetives passou a verificar prédios e moradias, exaustivamente. Moradores e inquilinos desconheciam a existência e a localização do objeto procurado. Instantes do acaso, quando caminhavam para a nova rodoviária depararam-se com um jovem que, pelos cabelos desgrenhados e a aparência irreverente, não deixava dúvidas que era um universitário. Perguntado sobre a república procurada, ele respondeu numa letargia irritante, indicando com o dedo em riste, um prédio de três pavimentos, próximo à avenida Leite de Castro. A dupla agradeceu, seguindo em direção ao prédio avistado.

- Por que você sugeriu que começássemos pelo campus Dom Bosco? – perguntou Castilho.

Macário encarou o colega.

- Não foi apenas por intuição, meu amigo...

Castilho tragou profundamente e arremessou para longe a guimba do cigarro que fumava.

- Sugeri que a nossa busca começasse por aqui pelo fato deste núcleo da universidade ser freqüentado em sua maioria por garotas e pela ausência de linhas alternativas de transporte de coletivo...

- O que tem a falta de ônibus haver com elas morarem no por aqui?

- As garotas que estudam no Dom Bosco, em sua maioria, pertence à classe pobre, e devido a isso têm preferência em residir por aqui, devido à proximidade do campus...

Castilho meneou a cabeça.

- Não devo subestimar você... não sei como consegue pensar em tudo.

O prédio de três pavimentos localizava-se próximo a um semáforo. A pressão do dedo indicador de Macário numa das teclas do interfone gerou um sibilar, sufocado pelo ruidoso movimento de veículos que arrancavam na mudança do luminoso de controle de trânsito. Após um terceiro toque, alguém atendeu.

- Quem é? – inquiriu uma voz sensual.

- Boa tarde, é da república das meninas que moram no prédio?

- Sim, por quê?

- O nome da república é Meninas das Geraes?

- Sim...

Macário encarou o colega, com um leve sorriso de satisfação.

- Sou da Polícia de São João del Rei e preciso falar com uma das garotas que reside na república, você pode me receber?

Ocorreu uma breve pausa.

- O que você quer? – indagou a voz feminina.

- Aqui embaixo há muito barulho, eu preferia falar pessoalmente sobre o assunto, você pode abrir a porta?

Para a população, de uma forma geral, o contato com a polícia é um fato intimidador, em especial para as mulheres, que julgam que todo policial é um indivíduo truculento e uma provável fonte de aborrecimentos. Ocorreu um lapso de segundos até que a portaria fosse aberta eletronicamente. A dupla subiu a escada e após galgar o último degrau, deparou-se com uma pequena sala de estar. As repúblicas caracterizavam-se pela ausência de ostentação na aparência e na mobília que apresentavam. Ali havia um pequeno e velho sofá de três lugares, uma mesa de canto, que sustentava um abajur comprado em algum brechó, e dois quadros que preenchiam as paredes do cômodo. Um corredor estreito desembocava na sala e por ele surgiu uma jovem. Ela apresentava um rosto bonito e a tez aveludada. Descalça, aproximou-se da dupla de detetives pisando na ponta dos pés pequeninos. Seus cabelos estavam presos num coque, no alto da cabeleira loira, deixando grandes brincos à mostra. O short branco e justo, de cunho perturbador, era muito curto, salientando suas atraentes curvas e atraindo a atenção do varão mais desatento. Apesar dos olhares convergirem para o púbis saliente, Macário fitou-a nos olhos, não permitindo que as cálidas formas perturbassem sua serenidade de homem da lei.

- O que vocês querem? – perguntou a jovem sem hospitalidade alguma.

Ele declinou sua qualidade de policial, apresentando a carteira de identidade funcional.

- Tudo bem, são da polícia e daí, o que querem?

- Sou o detetive Macário e este, o detetive Castilho... conhecia uma garota chamada Débora Dantas de Pessoa?

- Querem falar com ela?

O desagrado da jovem era notório.

- Vocês são amigas?

- Sim, mas ela não está em casa.

- Tudo bem, mas gostaríamos de conversar com você – disse Castilho.

A jovem entreabriu a boca e contraiu as sobrancelhas.

- Não estou entendendo...

O olhar sequioso de Castilho perlustrou o corpo que vicejava. A jovem estava bronzeada e os pêlos dourados das pernas excitavam o detetive.

- Seu nome, por favor? – perguntou Macário.

- Silvana... mas não estou entendendo... se vocês sabem que a Débora não está aqui porque vieram procurar minha amiga?... aconteceu alguma coisa?

A dupla de detetives entreolhou-se.

- Acredito que você não sabe, mas, infelizmente, temos que informar que sua amiga foi assassinada ontem à noite – disse Castilho.

Silvana engoliu em seco. Seus olhos marejaram e ela sentou-se no sofá. A mão foi ao cenho que começava a empalidecer.

- Não pode ser verdade – disse a jovem.

- Infelizmente, ela morreu ontem à noite – confirmou Macário.

A fisionomia da jovem contraiu-se, como se uma lança a tivesse percutido o peito e o perfurasse de lado a lado do tórax. Repentinamente, ela explodiu em prantos. Um choro profundo e incontido. Castilho aproximou-se, sentando-se a seu lado, abraçando-a.

- Calma, tenha calma, estamos aqui para ajudar – disse o detetive.

- Por que isso aconteceu?! Por quê?!

Macário retirou um lenço do bolso interno da jaqueta e entregou a jovem.

- Tente se acalmar, tente se acalmar – disse Castilho tentando confortá-la.

- Ainda não sabemos exatamente como e o porquê, mas estamos investigando – elucidou Macário, sentando-se numa poltrona. – E é por isso que estamos aqui... precisamos da sua ajuda...

A jovem chorava intensamente. Seus seios arfavam, comprimidos pela camiseta justa que usava. Suas mãos delicadas e trêmulas seguravam o rosto premido pela dor oriunda do coração.

- Não acredito, não é possível, isso não pode ter acontecido, não pode!

- Tente se conformar – disse Castilho.

- Sabemos que é difícil para você, mas infelizmente aconteceu – disse Macário.

- Calma, tente se acalmar... onde tem um copo d’água? – perguntou Castilho.

Com a mão trêmula, ela apontou para o corredor. Castilho levantou-se e percorreu o corredor, encontrando uma cozinha pequena e revestida por azulejos viscosos, dos quais o odor de gordura saturada invadia as narinas. Louças a lavar cobriam a pia e ocupavam todo o espaço antes livre. Havia copos, mas todos estavam sujos. Impaciente, lavou o copo que julgou menos sujo e procurou por um vasilhame contendo açúcar. Segundos depois, ele voltou e serviu a jovem que soluçava. Ela segurou o copo d’água com as mãos trêmulas e bebeu com dificuldade. As lágrimas ainda lhe corriam pelas faces e ela enxugava-as com o lenço. A dor que invadiu seu coração começava a esvair-se, como a bruma da manhã que fugia aos raios fúlgidos do sol. Ela expirou profundamente, meneando a cabeleira loira, devolvendo o copo a Castilho.

- Como você está? – indagou Macário.

- Eu, eu, estou melhor... obrigada...

A dupla de detetives ficou a observá-la, em silêncio.

- Você nos confirmou que a Débora e você eram amigas...

- Sim, ela era... ela era a minha melhor amiga... nós dividíamos o mesmo quarto aqui na república... mas como foi que isso aconteceu?

- Estamos iniciando as investigações sobre o crime e para isso contamos com a sua ajuda – disse Macário.

A jovem ficou pensativa por um instante. Depois encarou o detetive e perguntou:

- Em que posso ajudar?

Macário retirou o caderno de anotações do bolso da jaqueta e uma caneta.

- Pois bem, como era o seu relacionamento com ela? – indagou Macário.

- Nós, nós morávamos na mesma cidade... viemos para São João para cursarmos a universidade juntas... ela era como uma irmã para mim...

- Quando foi a última vez que esteve com Débora?

- Foi ontem...

- Por volta de que horas? – perguntou Castilho.

- Acho que eram nove ou dez horas da noite... às quintas-feiras e sextas-feiras ela não tinha aula na universidade e, como sempre, saía...

- Ela costumava sair nestes dias da semana? – perguntou Macário.

- Sim...

- Ela dizia aonde ia?

- Não...

- Quando ela saía nestes dias retornava cedo para casa?

- Não, normalmente chegava no outro dia, pela manhã...

- Você não achava estranho esse hábito?

- Sim, eu achava...

- E nunca perguntou a respeito?

Ela inspirou profundamente antes de falar.

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