Ansiedade. Ele vivia uma grande ansiedade. Esse grande mal-estar que assola a mente de qualquer ser humano. Levantou-se da cama e foi para a cozinha. Comer. Comendo era uma das formas que encontrava para saciar aquele desejo intenso que o perturbava. Haviam ficado uma vez sem fazer amor por vários dias e esse período fora o maior desde então. Em todas as outras oportunidades os períodos foram menores e isso não lhe consumia a tranquilidade. Entretanto, desta vez estava ficando fora de controle. Completariam vinte dias de abstinência e ele não suportava mais. Ela inicialmente alegou dores de cabeça; depois foram dores nas costas; depois uma diarréia intermitente, resultado da ingestão exagerada de salgadinhos; e, por último, o período menstrual que se alongara por quase dez dias.
Ele abriu a geladeira e retirou os ingredientes que necessitava. Alface, tomate, pepino, hambúrguer, maionese, mostarda, pão de forma e coca-cola. Queria estufar o estômago, talvez conseguisse diminuir a inquietude que o afligia. Sozinho, na friagem da apertada cozinha, passou a preparar três sanduíches, todos para ele. A mulher estava na cama, coberta por um edredom, somente de camiseta e calcinha, prostrada pelo mal-estar que alegava ser efeito do fim do período menstrual.
Enquanto suas mãos preparavam o lanche, a mente estava em alvoroço. A mulher de pouco mais de trinta anos de idade reclamava do corpo que tinha, possivelmente fosse este o motivo que arrefecia seu apetite sexual. Ele discordava. Ela reclamava do volume dos seios, alegando que estavam caídos, e que o bumbum estava cheio de celulite. Ele discordava. A mulher tinha um corpo muito desejável, pelas curvas que ele adorava acariciar e pela maciez que o excitava. Seu corpo exercia forte efeito sobre o desejo do marido, apesar dela não acreditar. Ele foi um homem ativo, esbelto, craque da pelada nos finais de semana, com uma apimentada pulsão sexual. Agora estava grisalho, um pouco mais gordo, mas sua pulsão parecia não arrefecer com o passar dos anos. Sempre que a observava sair do banho, a desfilar nua pelo quarto à procura de um creme ou uma calcinha, ele se intumescia. Quando casaram, faziam sexo cinco ou seis vezes por semana. Não foi a passagem, por duas vezes, pela maternidade que mudou o corpo da mulher e nem diminuiu a libido do marido. Ela perdeu os bebês. Mulher vaidosa conseguiu manter o corpo que tinha ainda antes de casar, após tantos anos, mas sentia-se insatisfeita com ele. Dizia gostar de sexo, algumas vezes, selvagem, embora o procurasse pouco para satisfazer seus desejos. E ele não entendia o porquê.
Eram as circunstâncias. A mulher era uma profissional exemplar no ambiente de trabalho: estilo superpreocupada com seus afazeres, ela trabalhava numa multinacional, na área de planejamentos e contratos. Exigia eficiência de seus subordinados e cobrava-se no mesmo patamar. Ela era admirada e... cobiçada pelos superiores. Quem seria o Adão que se deliciava com aquela Eva de saias justas e blusas que infundiam desejos? Numa oportunidade, comentara com ele que havia um pensamento no mercado de trabalho no sentido que as mulheres deviam apresentar melhores resultados que os homens, nas mesmas funções. Dizia-se injustiçada, como todas as mulheres com as quais comentava tal situação. Mas não era somente seu desempenho que era constantemente avaliado. A bela loira, de olhos verdes e simpático sorriso, tinha curvas desejadas pelo segmento masculino com o qual trabalhava. Surgiam insinuações pecaminosas, que ela fingia não entender, mantendo-se fiel ao homem que amava. Ele confiava nela, contudo, sentia ciúmes. Ocultava sua insatisfação com o exercício da profissão da mulher. Aceitava que ela trabalhasse fora de casa para atender necessidades que seu salário não tinha como suprir. E ela gostava de vestir-se elegantemente, de ser invejada pelas outras. Mas o trabalho da mulher trazia outra insatisfação. Em muitas oportunidades, quando chegava do trabalho, dizia-se exausta e com pouca disposição para o sexo, indo dormir logo após um breve bate-papo. Ele tentava conter-se, mas era inevitável esconder sua irritação.
Terminados os sanduíches, devorou-os num suspiro. Tentava recalcar a ansiedade que o afligia. Despejou a louça do lanche na pia da cozinha e voltou para cama. Ela dormia. O semblante contraído pela dor que sentia o comoveu. Ele entendia o estado que a mulher se encontrava, mas o desejo de possuí-la o inquietava. Vivia uma agonia há quatro longos dias. A mulher rolou na cama e parte do corpo ficou descoberta. Ela podia discordar, mas ele achava seu corpo atraente, sedutor. A calcinha se atrevia na divisão das nádegas e a imagem do bumbum excitou-o ainda mais. Ele queria invadir suas vergonhas, deleitar-se dentro dela, sentir a umidade que muito lhe aprazia. Ficou apreciando o corpo macio na penumbra do quarto mal iluminado. Tocou-lhe o cenho que parecia febril, mas que era apenas efeito da enxaqueca e das dores que ela reclamava. Abraçou-lhe o corpo aquecido. Passou a acariciar os cabelos desgrenhados e o rosto jovial. Ela balbuciava alguma coisa, de vez em quando, mas logo tornava a ficar quieta. Apesar de o desejo o afligir, ele tinha domínio de si. Lembrou-se dos infreqüentes, mas muito ardentes momentos na cama que ela lhe proporcionou tantas vezes. Eram casados há quase três décadas e ele sabia que ela o amava, profundamente. Pensou que aqueles momentos de recato sexual não se constituíam num ato deliberado ou desejo proposital. A lembrança de uma conversa com seu falecido pai levou-o a recordar que o casamento tem seus altos e baixos. Beijou-a nos lábios ressequidos e foi dormir.
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