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"A literatura insinua e coloca questões muito mais do que as responde ou resolve."

-------------------Milton Hatoum, escritor brasileiro



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quinta-feira, 11 de março de 2010

A MÃO QUE BALANÇA O BERÇO

O título do artigo reportaria a apenas uma boa produção cinematográfica hollywoodiana se não fosse uma experiência pessoal que vivenciei durante minhas férias. Entre um passeio e outro, pelas ruas largas e limpas de uma das mais belas cidades mineiras, não há como não nos deparamos com fatos que inevitavelmente mudam nossa forma de pensar, de ver a vida sob outra ótica, sob outro ângulo.

Numa manhã do período carnavalesco, na praça principal da cidade, existiam foliões desanimados em torno do coreto e vários transeuntes caminhando sob o sol que brilhava no firmamento. Alentado pelas mãos e palavras de minha musa AnaCris estávamos a caminhar pela praça, entrecortada por um riacho sinuoso, de torrentes onduladas e suaves, ladeado por árvores e plantas ornamentais. Num lado da praça podia-se contemplar um grande hotel, muito antigo e de arquitetura colonial, visitado por idosos em épocas remotas, à procura de repouso e cura para suas mazelas. No outro, um balneário de águas termais que se impunha por suas proporções e majestade, atualmente muito visitado por turistas, na busca de um banho revigorante e relaxador, devido às águas sulfurosas existentes no subsolo da região. Próximo do balneário destacava-se uma pequena ponte arqueada, de muretas metálicas azuis, que trazia ao ambiente uma sensação de nostalgia. Inegavelmente, o lugar era acolhedor e muito aprazível. No momento que andávamos nas proximidades da pequena ponte, nosso passeio foi interrompido por uma cena inusitada. Chamo de inusitada em nome daqueles que ainda acreditam no amor, sentimento tão carcomido e desacreditado pelas instituições e pessoas nos tempos atuais.

Um pomposo carrinho de bebê era empurrado, muito devagar, por uma babá impecavelmente uniformizada pela calçada de pedras contígua às margens do riacho. A serviçal apresentava fisionomia contraída e cansada, possivelmente por uma ou mais noites insones em decorrência de alguma indisposição digestiva da criança. Suas mãos seguravam firmemente o carrinho, como se o que ele abrigava fosse seu, criatura gerada por outro ser, mas que lhe foi outorgada a atenção e os cuidados superviventes. Ela parecia desinteressada pelo entorno, como se ele representasse mais um mero local visitado por seu corpo lasso. Em seu encalço, dois ou três passos atrás, caminhava uma jovem mulher, de tez pálida e aparência requintada. Suas vestes atestavam sua origem: pertencia a classe rica de alguma sociedade, talvez da própria cidade ou de alguma cidade paulista, do Estado vizinho. Ela caminhava vagarosamente, admirando a beleza da praça e de seus recantos. Embora um pouco distante da babá e do carrinho, sua atitude não deixava dúvidas de sua relação com a serviçal e a criança. A cena era inusitada, volto a dizer, pela expressão da mulher. Era fria, indiferente, como se a criança, expulsa de seu ventre após nove meses de convívio e intimidade, nada significasse para ela. Sua indiferença em relação ao bebê era veemente e incômoda. Parecia desdenhar do ser que trouxe ao mundo, apenas indicando que assim agira com o propósito de se dizer mãe, mulher fértil, nada mais. Não passava e não passaria despercebido a ninguém que o amor daquela mulher por seu filho era pequeno, material, sem amplitude ou grandeza, que desejou tê-lo, sem dúvida, mas que não queria arcar com o verdadeiro ônus de mãe, repassando tal encargo a uma serviçal. Certamente não quis assumir o referido encargo na pretensão de não envelhecer, de manter-se bela e jovem, viçosa e sensual.

O amor verdadeiro implica em ceder parte de si mesmo a outro; de relegar o lazer e descanso a um segundo momento; de desperdiçar noites, passando-as em claro ao lado do ente querido quando enfermo; de abrir mão de coisas que lhe são caras em prol daquele que se ama; de entregar-se à dor no lugar de quem está sofrendo. O amor verdadeiro é grandioso, mas também humilde; é simples, mas intenso; nunca pede, sempre cede; não se faz de arrogante, muitas vezes se humilha; cede espaço, quando se encontra até mesmo estrangulado, físico ou emocionalmente. O amor verdadeiro não guarda rancor quando ofendido; perdoa até mesmo aquele que lhe feriu profundamente. Sem invadir o contexto religioso ou ferir suscetibilidades, afirmo que Jesus Cristo demonstrou isso para a humanidade. Demagogia? Digo que não. Que mérito há num ser que revida uma ofensa e se mantém orgulhoso? Que valor podemos endossar naquele que comete uma crueldade e não procura se redimir? Valor verdadeiro é para aquele que perdoa quem lhe feriu, sem guardar rancor; que se redime diante de uma crueldade e abandona a maldade como atitude. Se agir desta forma, aí sim haverá mérito neste ser. Poderemos chamá-lo de digno, de valoroso. O amor verdadeiro vive num coração puro, onde não espaço para o ódio, rancor ou sentimentos similares. Reveja seus valores, reveja seu amor. Nunca é tarde para mudar.

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