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"A literatura insinua e coloca questões muito mais do que as responde ou resolve."

-------------------Milton Hatoum, escritor brasileiro



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quarta-feira, 26 de maio de 2010

OS QUATRO ARQUITETOS

Somos obra-prima de ser maravilhoso, superior, inigualável, cujo poder criador desconhece fronteiras. A nós foi dado relativo poder através da inteligência e não da força, sendo esta de natureza e grandeza insignificantes perante aquela. A inteligência é para o homem a ferramenta incomensurável que lhe permite controlar seu destino. Com ela, é capaz de quase tudo fazer, até mesmo promover sua autodestruição. Sem ela, retorna e perde-se nas trevas pré-históricas, aproximando-se dos seres irracionais, tornando-se semelhante em selvageria e estagnação, distinguindo-se deles apenas na aparência. E no momento que passamos a ter consciência do que realmente somos, de nossa unidade e importância neste mundo que nos foi dado com o ônus apenas de preservá-lo, entramos em sintonia com ele. E neste instante percebemos a ação grandiosa dos quatro elementos.

Água, com sua inexplicável fluidez e incomparável transparência, quando gota exerce inusitada atração em nosso olhar, em nosso íntimo. Afinal, segundo a ciência, ela compõe grande parte do que somos, daí a atração e irmandade que existe entre nós e este maravilhoso elemento. Limpa, purifica, higieniza, sacia a sede, alimenta até vazios estômagos. Quando torrente, quando em grande volume, é dotada de força incomparável, arrastando tudo que encontra em seu avançar devastador, arrasando, destruindo, vidas, edificações, veículos, cessando sua fúria incontida somente quando é diluída. Mas nem tudo é destruição para a água. Em seu correr, lapida margens, pedras, elevações, criando leitos, formas pétreas e gigantes montes que cobertos pelo tranquilizante verde, pela eterna neve, ou simplesmente nus, criam paisagens fantásticas e instigantes.

Terra, figura quantiosa de natureza complexa e vasta, que não só compõe o planeta que nos acolheu desde os primórdios, mas que em visão bíblica forneceu argamassa para modelar as formas que adquirimos. No tornear das águas revoltas e brutais, adquire curvas e formas que favorecem ou dificultam o viver do homem. Ora é colina, ora é vertente. Num instante é caverna, buraco, em outro é montanha, pico. Dela o homem retira tudo para criar, do alfinete que produz suas roupas ao foguete que lhe permite conhecer outros mundos. Usada em simples mistura química permite entrelaçar estruturas e erguer arranha-céus, bem como moradias pequenas e aconchegantes que abrigam seu corpo frágil. Das profundezas de seu ventre eviscera o alimento saboroso, o sustento que dá vida ao homem e aos animais.

Fogo, elemento de grande poder de transformação, cisalhamento, destruição. Com suas sinuosas lâminas douradas e flamejantes transforma os metais dando-lhes forma e cor segundo a vontade de quem os manipula. Quanto aos homens, o domínio de intenso elemento proporciona-lhes a tresloucada sensação de poder, de controle sobre todos os demais. Capaz de romper aquilo que anteriormente estava unido, faz medrar até o mais valente do seres. Em ação exterminadora, consegue dizimar tudo que se antepõe a sua propagação. Em sua presença as trevas fraquejam, reduzem-se e fogem, baldeando-se para recantos mais obscuros a fim de revigorar-se.

Ar, ar, ar que alimenta pulmões, que corre sob a pele, que faz viver, que gera energia nos corpos mais esquálidos. Seres dele necessitam, dele se ressentem em sua ausência. Sem ele e seus componentes, o fogo não sobrevive, é força natimorta. Sem ele não há vida, não há excitação para o movimento, não há oportunidade de vigência.

No fazer humano, não há como prescindir de elementos tão esplendorosos, que tornam a vida possível. Silentes arquitetos, que com suas peculiaridades e poderio, configuram o mundo que nos rodeia, que nos fascina, que nos emociona, que nos faz pequenos diante de tão nobre existência.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

FELIZ ANIVERSÁRIO, GOSTOSO

Trabalhava num escritório de causas advocatícias. Magro, alto e um tanto desengonçado, escondia-se por trás de um par de lentes que o deixavam bem mais velho do que realmente era. Como conheceu a intimidade de Lucimara muito cedo, não teve escolha: casou-se precocemente, com apenas vinte e um anos de idade. A esposa era uma mulher prendada, de média estatura, quadris largos e coxas grossas. O corpo lhe agradava, mas ela era um tanto apática para a idade que tinha, demonstrando lentidão e desânimo em quase todas as situações, e esta maneira de ser, desagradava Fernando. Ele era um homem ativo, muito ativo. Dedicava-se ao aprimoramento profissional sempre que o tempo lhe permitia. Não se contentava apenas em trabalhar na burocracia de um escritório. Queria mais, queria crescer, tanto que durante a noite cursava a faculdade de Direito e não tardaria a concluí-la. Com a apresentação do diploma seria mais bem remunerado, e caso não lhe oferecessem salário digno aos anos que passara estudando à noite e deixando a mulher sozinha em casa, abandonaria o escritório. Procuraria outro emprego ou, quem sabe, montaria seu próprio escritório.

Aquele dia era especial. Logo cedo, foi recebido pela mulher com um abraço e um longo beijo, felicitando-o pela passagem do aniversário. Satisfeito, abraçou aquelas curvas adiposas e depois foi fazer a higiene pessoal. Barbeado e perfumado, vestiu a camisa branca de colarinho engomado e colocou a gravata nova que a patroa dera-lhe na noite anterior, como presente de aniversário, e nada mais, nada mais. Embarcou na van e foi trabalhar. A chegada ao escritório foi marcada por abraços, beijos e felicitações exultantes dos colegas de trabalho. O gerente e dono do escritório, depois que todos o deixaram sozinho em sua mesa, aproximou-se e parabenizou-o. Entregou-lhe uma pequena caixa de presente. Depois de abri-la, sorriu. Ela continha um relógio. O magricelo de óculos encarou o patrão e disse:

- Obrigado, Dr. Heitor, muito obrigado, realmente estava precisando de um relógio novo... e para dizer a verdade, o meu quebrou quando caí aqui na rua, na última enchente...

O patrão sorriu.

- Isso não ocorreu há um mês?

Fernando assentiu.

- Obrigado mais uma vez pelo relógio, e a propósito, o senhor não quer ir a comemoração do meu aniversário? O pessoal do escritório está organizando... vai ser hoje à noite, na churrascaria Laço do Peão... ela fica a uma quatro quadras daqui...

O gerente ajeitou os óculos.

- Agradeço o convite, mas eu tenho um compromisso inadiável... te desejo felicidades na comemoração.

- Obrigado.

O expediente terminou e todos foram para a comemoração. Fernando chegou acompanhado de dois colegas. Os demais funcionários do escritório já estavam sentados numa longa mesa, comendo e bebendo. O aniversariante se reuniu à turma e passou a comemorar. O grupo contava piadas, fatos pitorescos ocorridos no trabalho ou na vida alheia. Risadas e gargalhadas se evadiam da mesa. A alegria era veemente e percebida pelos poucos clientes que estavam no estabelecimento naquela noite. Fernando convidara a mulher para ir à churrascaria, mas Lucimara preferiu ficar em casa, aguardando-o chegar e comemorar seu aniversário na intimidade do lar.

Apesar do aniversariante estar envolvido pela alegria do momento, de soslaio, acabou por perceber que era observado atentamente por uma mulher atraente, que estava em outra mesa. Ela estava acompanhada por uma amiga. A dupla, bonita e bem dotada fisicamente, cochichava alguma coisa sobre ele ou sobre a comemoração. Enquanto conversava com os amigos, o olhar de Fernando recaía sobre a mulher e seus maravilhosos seios, premidos por uma blusa muito justa. Ele ficou fascinado com a observadora desconhecida. Embora sua mulher ainda não tivesse engravidado, engordara, e nem de perto se comparava com aquela beldade austríaca. Sempre pouco criativa e desanimada na cama, Lucimara não satisfazia o furor do marido, e ele queria mais, queira que ela fosse audaciosa, mais atuante. Teve pensamentos indecorosos em relação à desconhecida, mas pensou que não passariam de fantasias e grandes fantasias não se realizam. Não teria nenhuma chance naquela noite e nem em outra, pois apesar de fazer faculdade à noite, a mulher cerceava sua liberdade noturna e como nunca vira a beldade por ali, talvez nunca mais voltasse a vê-la no estabelecimento.

Beberam, beberam e comeram. Ocorreu a entrega de presentes e seguiu-se a chegada à mesa de um pequeno bolo com velas cintilantes, vindo da cozinha da churrascaria. Minutos depois, durante a comemoração, o aniversariante notou que um dos colegas de trabalho, chamado Diogo, levantou-se e foi ao banheiro. No percurso para o sanitário, ele parou na mesa da loira. Fernando pensou que o colega tentava uma conquista. Viu a loira concordar com um gesto de cabeça e o colega prosseguiu seu rumo. No instante seguinte, a beldade se levantou e se dirigiu para o banheiro feminino. Passaram-se alguns minutos e Diogo voltou para a mesa, seguido de longe pela loira. Sentou-se onde estava e ficou mais alegre do antes, rindo à toa. Fernando percebeu sua atitude, mas não deu maior importância, julgando que sua alegria decorria da satisfação que envolvia a todos naquele momento e da deglutição das carnes suculentas que eram servidas. A comemoração transcorreu normalmente e, aos poucos, os colegas foram se despedindo e indo embora. Finalmente, restou Diogo e mais dois colegas, sendo que um deles se aproximou do aniversariante e disse:

- Amigão, antes da saideira queremos que você vá tirar a água do joelho... procure nos sanitários e vai encontrar o teu presente.

- Presente? Que presente?

- O presente destes teus amigos que tanto te querem bem... vai, vai logo pegar o teu presente – disse Diogo sorrindo.

Fernando sorriu e levantou-se. Um pouco tonto, foi para o banheiro. Entrou no sanitário e notou que não havia ninguém por ali. Passou a caminhar, abrindo as portas das privadas e olhando para o interior delas. Nada. Porta após porta aberta e ele não encontrava absolutamente nada. Acreditou ser gozação dos amigos. Continuou a caminhar até que chegou à última porta, que estava fechada. Achou que a privada estivesse ocupada, mas mesmo assim, empurrou a porta, deparando-se com a loira desconhecida. Ela estava sentada sobre a tampa da privada e o encarava. Assustado e antes que pudesse falar alguma coisa, foi puxado com força pela gravata. O corpo esquálido foi encerrado no cubículo.

- Ei, você está no banheiro errado!

A loira sorriu maliciosamente e disse:

- Não importa... sou teu presente de aniversário...

- O quê?!

Antes que Fernando falasse mais alguma coisa ou fizesse algum movimento, a loira puxou a própria blusa decotada para baixo, expondo os seios cheios e eretos. Ele arregalou os olhos, deslumbrado.

- Gostou? – disse ela.

Mesmo um tanto atordoado, ele assentiu. Ainda muito ágil, ela abriu-lhe a braguilha e arriou suas calças. Envolveu-lhe a virilidade e passou a lhe proporcionar profundo deleite. As mãos de Fernando passaram a pressionar as paredes da privada, tentando sustentar o corpo que entrava em êxtase.

- Não, eu, eu não vou aguentar... não vou aguentar...

A loira proporcionava-lhe prazer e sorria, percebendo que sua ação fascinava o amante ocasional. Súbito, ele irrompeu em clímax de proporções planetárias e ela o segurou, pela cintura. Zonzo pelo prazer que o atordoou, encostou-se a uma das paredes e sorriu.

- Feliz aniversário, gostoso! – disse a loira, que se levantou e saiu, limpando o rosto.

Fernando sentou na tampa da privada e continuou sorrindo. Balançou a cabeça, imaginando que não poderia receber presente mais estranho em toda a sua vida. Estava satisfeito e vazio. Como faria quando chegasse em casa para comemorar com a patroa, sob os lençóis novos que ela comprara recentemente? Balançou a cabeça. Pouco importava, ela não era de muito fogo mesmo e nem perceberia que ele estava vazio, pensou. Levantou, fechou o zíper das calças e voltou para a mesa, para tomar a saideira com os amigos. Estava feliz, feliz que só.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

BELO MONTE E A QUEIROZ GALVÃO

O coração tem razões que a própria razão desconhece. E o caixa financeiro de uma empreiteira também. Mas qual a diferença singular entre ambos? No coração, as razões são desconhecidas, obscuras, embora eloquentes. No caixa da empreiteira, há muitos corações nos quais fervilham interesses claros, evidentes. Lucros, prestígio, expansão do capital.

Quem é a Queiroz Galvão e qual a sua relação com a usina de Belo Monte?

A empreiteira Queiroz Galvão surgiu em 1953, fruto da iniciativa de quatro irmãos. O arcabouço financeiro inicial da empresa de núcleo familiar foi o capital gerado pela venda de uma picape Chevrolet, um Ford 1949 e um jipe 1948. Mas de boa vontade todas as empresas contam. A prova de fogo da pequena empresa logo foi a primeira obra, que se constituiu no sistema de abastecimento de água do município de Limoeiro, no interior pernambucano. E tudo foi coroado de sucesso. Depois investiram na construção de estradas e... novos méritos. Com a expansão da malha rodoviária nordestina veio o sucesso e ele levou-os a almejar voos mais altos. O grupo buscou oportunidades na região Sudeste, fato que resultou na transferência da sede da empresa para a cidade maravilhosa. A expansão das obras públicas na década de 70 fez a Queiroz Galvão crescer e aspirar novas áreas de atuação. Investiram, sem temor, nas perfurações petrolíferas, e não pararam por aí. Passaram a investir e atuar no mercado imobiliário, construção civil, engenharia ambiental, agropecuária e siderurgia. Isso retrata apenas a história da empreiteira que não difere muito de suas concorrentes.

Atualmente, embora a sede da empreiteira Queiroz Galvão seja no Recife, seu consultor João Queiroz Galvão permanece no Rio de Janeiro, de onde comanda o grupo. A Queiroz Galvão ou “QG”, lembrando “Quartel-General”, como alguns a chamam pela magnitude que atingiu, é a quarta maior empreiteira do país. O motivo? Com a receita de dois bilhões de reais que disparou em dígitos para os atuais RS 5,5 bilhões, tornou-se uma empreiteira de significativa grandeza. Com esta posição ombreou capacidade de trabalho e competência com suas concorrentes diretas que são a Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. João Queiroz Galvão – um homem de cabelos grisalhos, fisionomia simpática e atitudes simples – preserva até hoje a discrição que caracteriza o grupo que criou juntamente com os irmãos. Evita os holofotes. Mantém uma relação distante e amistosa com a mídia. Pelo que demonstra, gosta do trabalho silente, dedicado, que apresenta resultados positivos.

Inúmeros brasileiros não conhecem pessoalmente a região Norte do Brasil. Quem a conhece define como uma imensa região, revestida por um dossel verdejante e exuberante, onde nada se avista até o longínquo horizonte, a não ser a contínua cobertura vegetal. A área de Belo Monte não poderia ser diferente. A região onde será construída a usina hidrelétrica fica no município de Vitória do Xingu, no Estado do Pará. Próxima a ela fica a cidade de Altamira, a mais desenvolvida e que conta com a maior população da região, em torno de 98 mil habitantes. Existem outros municípios menores cuja população gira em torno de vinte mil habitantes. O rio Xingu resvala suas águas por Belo Monte e por Altamira, bem como por alguns municípios e povoados, como a aldeia Paquiçamba.

A usina será a terceira maior do mundo e totalmente brasileira. A previsão é que produzirá 11 mil MW, gerando uma produção anual de 40 mil GWh, energia capaz de suprir 22 milhões de residências. Só para se ter uma ideia, Itaipu (binacional) gera 14 mil MW. Muitos de nós desconhecemos os fatores que implicam na construção de uma hidrelétrica, particularmente na região amazônica. São vários e não os abordarei na totalidade. Existe o impacto ambiental, a relação custo-benefício inerente ao empreendimento, a relação econômico-financeira, os interesses políticos, os danos sócio-econômicos, psicológicos e os prejuízos à biodiversidade. Além da construção da barragem, diques, eclusas, casas de força e canais, há a preparação e construção de uma vasta área a ser alagada, com a finalidade de gerar um reservatório (lago artificial) necessário à produção energética. A invasão das águas na área a ser alagada não somente cobrem a mata, mas elimina toda forma de vida ali existente. E aí ocorrem os prejuízos à biodiversidade. E o que é biodiversidade? O termo compreende a riqueza e a variedade do mundo animal, ou melhor, abrange todas as formas de vida (plantas, animais e microrganismos) e as inter-relações no ambiente em vivem, no qual a existência de uma espécie afeta diretamente muitas outras. A usina de Belo Monte deverá ter um reservatório de 516 Km² que ocupará os municípios de Altamira, Anapu, Brasil Novo e Senador José Porfírio. Esse reservatório irá eliminar da face da Terra uma quantidade imensa e inestimável de plantas e animais que jamais serão recuperados. Mas relevante estrago não se verificará somente no lado da barragem que abriga o reservatório. Do outro lado, onde ocorre a redução do volume das águas, acontece um impacto ambiental talvez muito maior e mais devastador. Por 100 quilômetros o rio Xingu passará a ter uma vazão mínima de águas, ou seja, uma redução significativa nas águas disponíveis. E nessa extensa região existem tribos indígenas, ribeirinhos e a floresta, com plantas, animais e microrganismos (a biodiversidade). Quando as águas diminuem, animais e plantas morrem, os peixes escasseiam e a navegabilidade do rio se reduz. Os indígenas passarão fome, porque na Amazônia o índio vive basicamente de caça e pesca. Faltará a caça, porque a floresta diminuirá. Faltará a pesca, porque o volume do rio diminuirá. Faltou alimento, o índio não tem a comodidade que nos é comum de ir ao supermercado, ele não vai à mercearia da esquina, porque na região amazônica não existem supermercados de fácil acesso ou mercearias na esquina, apenas nas localidades de vulto, que ficam distantes e ele depende da navegabilidade do rio para chegar até elas. Existe a mata, o céu, o rio, a solidão, o abandono. Os danos sócio-econômicos e psicológicos às tribos e ribeirinhos que lá vivem serão arrasadores. E as autoridades responsáveis pela construção da usina não sabem disso? A mídia divulgou que determinaram pesquisas, e não tomaram conhecimento do que pode acontecer? Desconhecem totalmente os prejuízos que o empreendimento poderá causar? O Ministério Público, antes do leilão, questionou o Ibama a respeito e seus técnicos não garantiram a viabilidade ambiental da usina de Belo Monte. E não foi apenas num parecer, mas em vários pareceres. E mesmo assim, num ano de eleições, as autoridades forçaram a realização do leilão. Vemos aí os interesses políticos agindo, de forma velada e sorrateira. Certamente alguém levará vantagem na realização desse empreendimento. Em relação a potência instalada, dados indicam que a produção energética média mal passará dos 4 mil MW, menos ainda quando o regime das águas do rio diminuem em alguns meses do ano, devido a redução significativa do índice pluviométrico, característica peculiar da região amazônica. Ora, pretende-se construir uma “ferrari” que frequentemente andará como um “carro popular”. É um contrassenso. E a coisa se agrava quando falamos no custo da obra. Está calculado que será de R$ 19 bilhões, não contando os enormes linhões que atravessarão a floresta (causando mais impacto ambiental) e que estarão muito longe dos centros consumidores. As empreiteiras calculam que ele não sairá por menos de R$ 30 bilhões. E aí temos um dilema: vale a pena alagar a selva amazônica, eliminando plantas, animais e... sacrificando os índios? Não existem fontes de energia alternativas em nosso país?

A energia hídrica é barata, mas nem tanto. O Brasil tem outras fontes de energia alternativas que são pouco valorizadas pelas autoridades, porque são fontes que não geram votos, atrapalham interesses políticos diversos e não permitem o desvio de recursos públicos. Temos como explorar a biomassa, que é de baixo custo, renovável, que permite reaproveitamento de resíduos. A energia eólica que é aquela gerada pelo vento, é uma energia limpa. Embora pouco utilizada, é uma fonte de energia que não gera poluição e não agride o meio ambiente. Através do movimento do vento, aerogeradores – que são grandes turbinas em forma de cata-vento colocadas em locais abertos e com boa quantidade de vento – produzem energia elétrica. Imagine o Brasil, com sua extensa orla marítima adornada por colônias de aerogeradores, de Nordeste a Sul? Seria um avanço na produção energética não poluente, um exemplo de preservação e conservação da Amazônia e da biodiversidade, além de ser uma atração turística mundial. Para se ter uma ideia da validade da energia eólica, na Alemanha, no ano passado foi produzida 25.800 MW de energia eólica; na Espanha, 19.150 MW; Em toda União Européia, 75 mil MW. Se abordarmos o assunto por outro viés e olharmos para o grande potencial fotovoltaico (energia solar) que podemos produzir no país, não há porque se optar pela destruição da biodiversidade, não há razão plausível para destruir, inundar, devastar a região de Belo Monte, causando um inestimável prejuízo ambiental à região, bem como dano sócio-econômico aos habitantes de localidade tão distante e prejuízo financeiro aos cofres públicos.

A regra básica do leilão da usina de Belo Monte era que o consórcio que oferecesse o maior deságio levaria o empreendimento. Como no turfe, havia o favorito, constituído pela construtora Andrade Gutierrez, pela Vale, por Furnas e pela Neoenergia (uma poderosa do setor energético controlada pelos fundos de pensão estatais). Ele ofereceu R$ 83 por megawatt/hora. Surpreendentemente, “por alguns corpos de vantagem” é que surge o “azarão”. Um grupo liderado pela discretíssima “QG”, ou melhor, empreiteira Queiroz Galvão. Ele vence o páreo e causa surpresa a todos. Mas voltemos ao período que antecede o certame do leilão.

Semanas antes do leilão havia apenas dois consórcios formados. Um com a Andrade Gutierrez e outro composto por Odebrecht e Camargo Corrêa. Apesar desta aparente articulação, o empreendimento na realidade seria repartido pelas empreiteiras acima e a “QG”. Às vésperas do leilão, Odebrecht e Camargo Corrêa abandonam o certame e deixam o governo refém de uma única proposta, comprometendo o leilão. O governo deseja que ocorra o leilão, custe o que custar, embora sua vontade levante suspeitas políticas num ano eleitoral. Mendes Júnior e Celendo, outras grandes construtoras se interessam pelo negócio e tentam um conluio com a Galvão Engenharia, uma dissidente da “QG”. Surge a possibilidade de concorrência no leilão e a “QG” sente-se ameaçada. O “azarão” entra no grupo organizado, às pressas, pelo governo. Talvez seja aí que começa o pivô da discórdia, pois a “QG” queria a garantia de realizar 80% das obras civis do empreendimento, proposta considerada abusiva pela Eletrobrás. Sua proposta é recusada e com a baixa tarifa (R$ 78 por megawatt/hora), João Queiroz Galvão decide abandonar o negócio. Por quê? Porque a construtora que nos últimos quatro anos dobrou de tamanho no Brasil abandonaria um negócio tão lucrativo? Um negócio que não só lhe proporcionaria prestígio e reconhecimento internacionais, mas lhe abriria as portas para novos e grandes empreendimentos? A resposta foi o risco. Caso a “QG” permanecesse no grupo deveria assumir 10% do risco de sua execução. Houve pressão dos altos escalões do governo e do próprio presidente Lula, que desdenhou da importância da presença da “QG” na construção da usina de Belo Monte. Essa postura presidencial fez João Queiroz Galvão repensar sua posição, levando-o a voltar ao negócio. E o grupo vencedor foi o seu, que deverá arcar com a responsabilidade de executar um empreendimento envolto de aspectos obscuros, cujos custos de construção e manutenção são altos e incertos. A “QG” fará um bom negócio no empreendimento de Belo Monte? Será que os holofotes que agora incidem sobre sua discreta imagem, trazendo-lhe prestígio e reconhecimento, não a levarão a um desfiladeiro letal, de sombras e prejuízos sucessivos? Sua imagem não se desgastará pelas intrigas que poderão advir devido aos diversos percalços e divergências já demonstrados no leilão e posteriormente na execução do empreendimento?

Que a Queiroz Galvão e seus inúmeros integrantes tenham a serenidade e perseverança necessárias à condução de empreendimento tão grandioso e repleto de fatores coadjuvantes adversos, não se deixando abater por intrigas, conchavos e outras ações obscuras e desleais. E que a nossa biodiversidade em Belo Monte seja o mínimo afetada. É o que desejam todos os brasileiros.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A PEDOFILIA NA IGREJA CATÓLICA (II)

Em relação aos escândalos de pedofilia nos EUA, o Papa Bento XVI chegou a afirmar que seriam consequência da ruptura de valores da sociedade americana. Mas os escândalos não ocorreram somente nos EUA. Como o pontífice explicaria e justifica os demais escândalos acontecidos em vários países, inclusive no Brasil, como é o caso de Arapiraca, em Alagoas? Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura denúncias de pedofilia perpetradas por padres na cidade Arapiraca (AL) determinou a prisão de cinco pessoas após sessão pública de seus trabalhos. O padre Edílson Duarte, envolvido nas denúncias, delatou os monsenhores Luiz Marques Barbosa e Raimundo Gomes em troca de redução de sua pena. Os padres pedófilos foram denunciados por suas vítimas, ex-coroinhas que tiveram suas vidas destroçadas pelos indignos. O que deu amplitude aos escândalos foi o programa Conexão Repórter, conduzido por Roberto Cabrini, cujas filmagens auxiliaram a CPI na apuração e prisão dos envolvidos. A polícia civil encontrou na casa do monsenhor Barbosa, de 83 anos de idade, passagens de avião, bebidas alcoólicas e cremes íntimos. O tiro de misericórdia na impunidade destes padres pedófilos foi a denúncia dos mesmos por suas vítimas através de um vídeo entregue a equipe de reportagem do programa Conexão Repórter. Nele, um ex-coroinha aparece mantendo relações sexuais com o monsenhor Barbosa. Veladamente, o fato foi filmado por outro ex-coroinha, que foi vítima do padre aos doze anos de idade. O maior dos sentimentos que moveu a dupla: revolta. Após terem consciência do que sofreram e do estragado causado em suas vidas, foram atrás de justiça. Prepararam uma “emboscada” e numa tarde filmaram a relação consentida do pedófilo com uma de suas vítimas. O ex-coroinha afirma que os abusos começaram quando ele ainda era um menino. O Vaticano nunca soube de nada, nunca foi informado por sua rede interna de informações do que ocorria em dioceses e paróquias distantes? Nunca informou o Papa que abusos sexuais ocorriam no interior da igreja católica?

Segundo fontes midiáticas, o próprio Papa foi encarregado de ocultar os casos de pedofilia dentro da igreja, além de se manter silenciado a respeito durante sua primeira visita aos EUA. Como já relatei, possivelmente uma das razões que o levaram a agir desta maneira foram fatos vivenciados no passado, em companhia de seu pai. Entretanto, Ratzinger-pai agiu em prol de uma causa nobre, defendendo elementos do clero de um regime iníquo, sanguinário, fato que não ocorre atualmente. O Papa Bento XVI não teria confundindo erroneamente a opinião pública mundial com o regime nazista?

Voltemos à Europa. O silêncio da igreja católica em torno de novos casos de pedofilia na Alemanha, Áustria, Holanda e Suíça, põe o Vaticano na linha de mira. Coloca-o numa situação muito delicada, que leva a opinião pública a crer em sua cumplicidade e responsabilidade pelo encobrimento dos abusos sexuais cometidos. A credibilidade da igreja está mundialmente muito abalada pelas várias denúncias de abuso sexual e pelo fato de seus líderes terem conhecimento factual e por encobrirem tais crimes. Sem que haja necessidade de usarmos uma lente de aumento verificamos que a situação se agrava quando voltamos nossas vistas para a Alemanha, berço de Joseph Ratzinger.

Padres alemães estão sendo acusados de terem espancado e abusado sexualmente de garotos há décadas, em três instituições da Bavária, região no sul do país onde nasceu o Papa Bento XVI. Uma das instituições é um coro que já foi liderado pelo irmão do atual pontífice. O reverendo Georg Ratzinger, de 86 anos de idade, irmão do papa e que liderou o coro de 1964 a 19994 disse desconhecer os abusos revelados. Ele certamente observou e presenciou a ajuda e proteção dadas por seu pai a padres católicos hostis ao regime nazista. Não estaria ele agindo da mesma maneira, como seu irmão, protegendo seus pares, diante da “forca” pendente no cenário internacional? E a gravidade da situação não para por aí.

Thomas Pfister é um advogado que investiga acusações de espancamento e abusos sexuais cometidos décadas atrás contra centenas de meninos na escola do monastério beneditino de Ettal, na Alemanha. Segundo o advogado foi jogado um manto de silêncio sobre as acusações. O reverendo Johannes Bauer, atual tesoureiro do monastério de Ettal admitiu ter espancado alunos enquanto professor na escola, de 1985 a 1997. Causa espanto e indignação, a qualquer um, quando um padre assume sua culpa, seu erro na forma mais bizarra possível, quando jamais deveria assim agir, com violência e impiedade com menores de idade. Outra instituição, a ordem dos capuchinhos de Burghausen, também na Alemanha, reconheceu que um ex-diretor da escola abusou sexualmente de meninos entre 1984 a 1985. Os casos foram investigados em 1991, mas a única providência tomada foi a transferência do padre.

O Papa Bento XVI disse ter ficado “perturbado” com os abusos sexuais contra menores cometidos por padres na Alemanha. “Perturbado”?! Apenas “perturbado”?! Como pode o pontífice dizer que ficou apenas perturbado com um fato de natureza tão grave? Estes padres, se assim podemos chamá-los, destroçaram a mente e a vida de crianças que se tornaram adultos. O Papa deve deixar de agir com naturalidade em seus pronunciamentos e visitas, ignorando casos de pedofilia na igreja, considerando-os como se fossem um “pequeno” percalço no caminhar dos fiéis e da instituição. Ele esqueceu que, como chefe-supremo da igreja, deveria tomar providências e atitudes mais do que enérgicas para punir e esterilizar a instituição destes indivíduos pedófilos? É abominável, é sórdido, é repulsivo, não a opção sexual destes homens, ela interessa única e exclusivamente a eles, mas sim sua conduta delinqüente em relação a crianças, a menores de idade cuja guarda e segurança lhes foram confiadas por seus pais quando acreditavam que eles eram arautos da palavra do Senhor. A igreja católica deve ser transparente em sua justiça, tão bem ensinada pelo Senhor da História, que é Jesus Cristo. Deve apurar e punir os responsáveis por estes crimes, para separá-los daqueles que bem representam a instituição e seus princípios. Caso assim não proceda, estará conivente neste hediondo crime que atualmente assombra toda a sociedade: a pedofilia.

Como estava escrito na camiseta de um dos ex-coroinhas de Arapiraca-AL: “Todos contra a pedofilia.”. E é assim que toda a sociedade deve agir e pensar, não permitindo que influenciem e mudem a opção sexual de nossas crianças. Deixem que elas, quando adultas, escolham a orientação ou opção sexual que desejem seguir e não que lhes seja imposto quando ainda imaturas e inocentes, sem qualquer meio de defesa.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A PEDOFILIA NA IGREJA CATÓLICA (I)

Quando pequeno eu frequentava a igreja católica por imposição de meus pais. Depois, por motivos diversos, afastei-me da presença dominical à missa, rotina que retomei anos mais tarde e que mantenho com regularidade. Na ingenuidade e imaturidade de minha juventude, eu via no padre – homem comum que recebeu as ordens sacerdotais e que ministrava os sacramentos da igreja – uma figura imaculada, honesta, de boa moral e bons costumes. A batina impecavelmente passada e engomada; os cabelos grisalhos e curtos, que depois passaram a ser escuros nos padres mais jovens; o rosto de fisionomia carrancuda que, por vezes, apresentavam óculos que lhe davam mais seriedade; personificavam a pessoa digna e respeitável que era o padre. Eu tinha respeito e admiração por sua imagem e personalidade e julgava que fosse alguém acima de todos os homens, mais próximo de Deus por seu conhecimento religioso, por sua conduta e moral ilibada. Mas, infelizmente, eu era jovem e imaturo e os tempos, os tempos passaram.

Esclareço que não sou fanático. Sou católico, cristão convertido, seguidor do Caminho de Jesus Cristo. E não tenho nada contra o homossexualismo e nem sou simpatizante da causa, tenho respeito e aceito a orientação ou opção sexual de cada um. A sexualidade é algo pessoal, cabe exclusivamente a cada um não importando aos outros, apenas ao interessado e a quem a ele se relaciona.

Por baixo da batina sempre existiu e existira o homem, figura imperfeita, sujeita às tentações e aos males mais diversos e traiçoeiros. Mas apesar de homem cônscio de sua escolha pelo celibato, pelo exercício sacerdotal, todo padre deveria, a fim de não macular os princípios e mandamentos divinos, logo que percebesse a perda da virtude, da convicção pelo exercício da profissão que optou, devido à descoberta de sua inclinação para outra profissão ou atividade, ou mesmo por sua opção sexual reprimida, abandonar a carreira eclesiástica e passar a viver segundo sua verdadeira vocação. Não é vergonhoso o homem assumir sua opção sexual, mas é criminoso usar uma função na qual a sociedade o observa como figura casta, de caráter intacto, para abusar de crianças e jovens indefesos. Usar a batina para se aproximar de menores de idade, demonstrando respeitabilidade e segurança (para eles e para seus pais), atraí-los pela palavra divina e depois seduzi-los, levando-os ao caminho da confusão mental, da ruína ideológica, da autocondenação pela opção sexual a que foram impingidos, é algo impiedoso, intolerável.

O apóstolo Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, em relação ao celibato, diz: “Digo isso como concessão, e não como ordem. Eu gostaria que todos os homens fossem como eu. Mas cada um recebe de Deus o seu dom particular; um tem este dom, e outro tem aquele.”. Paulo quer dizer que aquele homem que não reconhecer em si a vocação pelo celibato não deve escolher por ele. Caso o faça, estará incorrendo em prejuízo pessoal e de outrem. E o que seria o celibato? Basicamente é termo empregado para designar uma pessoa que escolhe abster-se de relacionamentos sexuais, ou seja, aquela pessoa que não terá relações sexuais, em hipótese alguma, com outro ser. E é característica sine qua non do sacerdócio a adoção do celibato. Então, não se tem dificuldades em concluir que um padre, sacerdote ou monsenhor é um indivíduo que no momento que escolheu seu ofício, conscientemente, declinou da possibilidade de manter relações sexuais e que não poderia casar enquanto no exercício da profissão. Caso não fosse capaz de dominar seus desejos – e desejo todos nós temos – deveria optar por outra profissão que lhe permitisse casar ou ter relações sexuais sem qualquer culpa. Diante de tal premissa, um padre jamais, em momento algum, poderia abusar de crianças, menores de idade ou jovens inocentes. Abuso a menor é fato abominável, principalmente por um homem que se apresenta como modelo e mensageiro da palavra de Deus.

Ao longo dos anos, ouvi relatos de pessoas próximas a respeito de casos, não confirmados, de padres que tiveram relacionamento amoroso com fiéis. Eu não acreditava, achava que era um absurdo, mas como nada era confirmado e eu não tinha nenhuma notícia divulgada pela mídia, limitava-me a não dar crédito ao comentário. Porém, foram aos poucos surgindo casos e mais casos e destes casos, alguns eclodiram discretamente na imprensa, de tal forma que nos últimos quatro anos surgiram várias denúncias de abuso de menores perpetrados por padres da igreja católica. O absurdo tornou-se algo palpável. No contexto das denúncias ficava fácil identificar uma ação de ocultação dos fatos e de seus autores. Mas porque a igreja, instituição com um dos maiores índices de credibilidade pública, ocultaria esses abusos, esses crimes cometidos contra crianças, seres preferencialmente amados por Deus? Em Lucas 18, 16: “Jesus, porém, chamou os discípulos e disse: ‘Deixem as crianças vir a mim. Não lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas’.” Diante de tal princípio bíblico, no qual Jesus Cristo valoriza as crianças e sua pureza espiritual, por que ou por quais motivos a igreja procurou ocultar esses crimes? Talvez uma das razões esteja no passado.

Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, nasceu numa pequena vila da Baviera, na Alemanha. Seu pai também se chamava Joseph e era comissário de polícia do Reich. Ratzinger-pai era profundo religioso e adepto de uma corrente religiosa católica. Resoluto adversário do regime nacional-socialista, enfrentou sérios problemas devido às suas firmes ideias políticas, tanto que mudou da cidade em que residia por demonstrar forte contrariedade em relação aos nazistas. Em 30 de janeiro de 1933, Hitler foi nomeado chanceler e por um longo período o Reich limitou-se a espionar e ter sob controle os sacerdotes que se demonstravam hostis em relação ao regime. Ratzinger-pai não colaborou com o regime como também ajudou e protegeu os sacerdotes que se encontravam em perigo. Sem dificuldades percebemos que o Papa Bento XVI teve exemplos muito próximos de ajudar e proteger (ocultar, salvaguardar) sacerdotes da igreja católica quando ameaçados por qualquer elemento externo.

Tornou-se notícia em muitos jornais o fato da igreja católica ocultar casos de pedofilia, sobretudo nos Estados Unidos da América. O chefe da maior diocese da igreja católica nos EUA, o cardeal de Los Angeles, Roger Mahony, revelou recentemente que está sendo acusado de assédio sexual por uma mulher. Ele desmentiu as acusações que se referem a um incidente ocorrido há mais de trinta anos. O cardeal é o mais importante sacerdote católico americano a ser acusado de abuso sexual depois de uma série de escândalos correlatos nos últimos meses. Estaria essa mulher, uma das fiéis de sua paróquia levantando falso testemunho? Ela faria isso com objetivo apenas de desmoralizar o cardeal e obter uma gorda indenização?

John Geoghan, um ex-padre em Boston, foi condenado por molestar uma criança, segundo uma notícia presente na internet. Ele foi condenado, ou seja, foi a julgamento e constatou-se sua responsabilidade no crime de pedofilia. Será que tal fato não chegou ao conhecimento do Papa Bento XVI?

Ainda em Boston, EUA, mais de 400 pessoas anunciaram que vão processar padres da arquidiocese da região por supostos abusos sexuais cometidos. Devido a estas denúncias, descobriu-se que a igreja católica ignorou, ou melhor, ocultou acusações de abuso sexual contra padres em várias paróquias americanas. Pelo que se levantou, para abafar (ocultar) os casos ocorridos, a igreja articulava e executava transferências dos padres envolvidos em abusos sexuais para outras paróquias, de forma a velar os casos e “limpá-los” do pecado perpetrado. Será que o Papa Bento XVI também não sabia desses casos? Será que o Vaticano, estado eclesiástico, que controla todos os atos e fatos da igreja católica desconhecia os casos que envolveram esses padres? Será que o Vaticano deixou de informá-los ao Papa tempestivamente? Pelo que parece ou deixa transparecer, o Vaticano não deixou de tomar providências, mas também ocultou fatos graves em relação a estes “homens cobertos de batina”.

Segundo informações midiáticas, no ano passado, em torno de 300 padres americanos foram removidos de seus cargos devido a alegações de abuso sexual de crianças. Ainda nos EUA, em levantamento realizado no ano passado verificou-se que mais de 20% das crianças abusadas sexualmente pelos padres e sacerdotes não tinha sequer dez anos de idade quando foram molestadas. Que medidas drásticas e sanções efetivas a igreja católica adotou? Segundo fontes da mídia, os cofres da igreja nos EUA foram abertos e mais de US$ 430 milhões foram pagos em indenizações às vítimas de pedofilia. A fonte informa que esse dinheiro é usado para “compensar” as vítimas ou para abafar os escândalos. Compensar?! Compensar vítimas e seus pais que as entregaram aos cuidados de um padre ou sacerdote para administrar-lhes os ensinamentos cristãos? É possível “compensar” um ser pela ação criminosa e iníqua de um padre, pessoa considerada idônea, de aparente caráter imaculado? É aceitável permitir que continue em liberdade um homem que se aproveitou de sua condição eclesiástica para perpetrar crime de natureza indelével em crianças, jovens e até mulheres? É admissível uma instituição secular manchar sua credibilidade com a ocultação de tais crimes?

E diante de tantas interrogações, mais uma que não quer calar:

É tolerável a permanência e impunidade de pedófilos no clérigo?

sábado, 1 de maio de 2010

BREVE AUSÊNCIA

Ele não lembrava como conseguiu ir para a casa da avó materna, longe da figura tirânica do pai. Sua chegada foi marcada por sorrisos e manifestações de carinho da tia que tanto ao adorava. Desde pequeno era agarrado por Rosinha e sofria inúmeros afagos. Agora estava ali, passando alguns dias numa das casas da avó que era viúva e fingia gostar dele. Depois da calorosa recepção foram para a cozinha, onde uma mesa farta de frios, pães, sucos e doces os esperava. Apesar da falta constante de comida no barraco de pau-a-pique em morava, o garoto crescera, descaracterizando um pouco aquela imagem esquelética, de olhos que pareciam estar recolhidos nos fundos das órbitas. A voz tornou-se mais grave, pêlos surgiram-lhe pelo corpo e algo começou a acontecer, algo que o deixava tenso e satisfeito. Provou um pouco de cada alimento que estava sobre a mesa. Enquanto comia observava a tia que não parava de contar a avó os últimos acontecimentos ocorridos na vizinhança. Depois da refeição foi conduzido por Rosinha para o quarto que dormiria enquanto estivesse visitando aquela casa.

Maria das Rosas, embora fosse a filha mais jovem de uma linhagem de sete filhos, tinha trinta e dois anos de idade. Sorridente e extrovertida, permaneceu morando com os pais com a aparente intenção de ajudá-los nas necessidades habituais, mas na verdade ocultava sua aversão ao trabalho. Depois da morte do pai, continuou morando com a mãe que contava com mais de sessenta e cinco anos de idade, passando a administrar bens e receitas. Estava solteira, mantendo um informal relacionamento amoroso com um detetive.

O garoto foi deixado no quarto, que era separado do quarto da tia pela sala de estar. Largou a bolsa com as poucas roupas no chão e sentou-se na cama de solteiro. A mão esquálida acariciou a colcha limpa e perfumada. Ficou muito satisfeito com a sensação de maciez do tecido e com as cores que apresentava. Nunca dormira em outra cama que não aquele dublê de colchão sobre um velho estrado, que mais parecia um catre, um genuíno catre. Deitou-se e acomodou as costas doloridas no colchão confortável. Estava cansado pela viagem que exigiu três mudanças de coletivo, tal a lonjura da casa da avó. Cruzou as mãos por trás da cabeça e ficou olhando ao redor. O ambiente era mobiliado sem extravagâncias, mas com relativo conforto. Pela janela, coberta por uma cortina esvoaçante, entrava o vento e a luz do dia. Ele sorriu, pensando como seria bom passar uns tempos longe da pobreza, do pai dominador, da vida sem graça e sem aventuras gloriosas que vivia. Mais do que isso, como seria bom passar alguns dias junto com a aquela mulher pela qual nutria algo que não sabia explicar, algo proibido.

Ele passava as manhãs brincando na rua com os outros garotos de sua idade e, à tarde, refugiava-se no aconchego da casa da avó. Esta lhe fazia sucos de frutas, batidos no liquidificador, e bolos, que ele adorava. Aos poucos, as guloseimas foram-lhe tirando o apetite. Enquanto bebia e comia, assistia a filmes e desenhos, entretenimentos que lhe traziam muita satisfação, mas pouco permitidos na casa dos tios que moravam em residência próxima a sua, em vista que em sua casa não havia televisão. No período da noite, após o jantar, reunia-se com a avó e Rosinha na sala de tv, para assistir aos telejornais e novelas. Adorava aquele momento, porque pouco lhe importava o que estava sendo transmitido. Interessava-lhe observar, discretamente, a tia em shorts muito curtos e justos. Findo os informativos e entretenimentos noturnos, todos se recolhiam. Às vezes, Rosinha saía, alegando que ia visitar uma amiga, mas na verdade encontrava-se com o amante. No quarto que ficava no fundo do corredor, a avó não tardava a adormecer profundamente, despertando somente na manhã seguinte. A tia ia para o quarto e deixava a porta entreaberta, passando a assistir a filmes durante a madrugada. Ele se dirigia para o quarto e aguardava na penumbra, o passar das horas. Enquanto os ponteiros do relógio de parede giravam lentamente, ficava pensando nos momentos de prazer que passaria. Todas as noites, o garoto deixava a solidão do quarto e, sorrateiramente, caminhava até a porta do quarto de Rosinha. Oculto pela escuridão do corredor, permanecia observando-a na intimidade.

No interior do quarto, iluminado por um abajur, num momento inopinado, Rosinha levantava-se da cama. Despojava-se da blusa larga e do soutien, desvelando a ternura dos seios. Naquele instante, o garoto sentia-se estranho por ser dominado por um tremor por todo o corpo e a boca inundar-se em saliva. O short justo era retirado e o sexo permanecia coberto por uma calcinha, que parecia ser um tamanho maior do que o necessário. Ele sentia a bermuda velha avolumar-se e uma sensação o impelia a entrar no quarto. Ficava confuso, atordoado com aquele desejo proibido e tão estranho que o dominava. Os minutos passavam e ele observava atentamente cada movimento da tia. No meio da madrugada, ela se levantava e ia desligar a televisão. Naquele momento, o garoto se deleitava com a formosura da mulher que lhe despertava sensações maravilhosas e estranhas. Os seios eram viçosos; a cintura delgada espalhava-se em quadris largos; e a bunda era endurecida e arrebitada. Ele ficava inquieto com aquele instante de luxúria. Retornava depressa para o quarto, para não ser descoberto. Tentava conter-se, agarrando-se ao travesseiro que acomodava sua cabeça até a manhã do dia seguinte.

Durante o dia, em conversa com a avó e a tia, entre sorrisos e gargalhadas, Rosinha abraçava-o, encostando seu rosto ao busto. Enquanto ela afagava sua cabeça e dizia-lhe palavras de carinho, ele podia sentir o perfume e o calor dos seios com os quais se regozijava à noite.

Na tarde do dia seguinte, a mãe telefonou para o garoto. A avó atendeu e conversou um pouco com ela, para logo passar o fone para ele. A mãe disse estar saudosa e que ele devia voltar para casa, porque seu pai já se demonstrava impaciente com sua ausência. Ele alegou estar bem, feliz, que queria ficar por ali por mais tempo, mas a mãe insistiu que voltasse para casa, o quanto antes. Inconformado, o garoto apresentou motivos que ocultavam seu desejo de estar longe do déspota que vivia a repreendê-lo, a humilhá-lo. A mãe fingiu não entender e desligou. O garoto menosprezou o pedido da mãe.

A noite chegou e o ritual se repetiu. A avó foi dormir e passou a roncar. A tia recolheu-se e a porta do quarto ficou entreaberta. O garoto deitou-se e ficou aguardando o avançar das horas. A mente em ebulição. A cada giro completo do ponteiro maior do relógio, seu desejo aumentava. Queria vê-la ao natural. Queria deliciar-se com as curvas que inquietavam seu corpo. Deixou o quarto e caminhou para a posição que assumia na escuridão do corredor. Rosinha levantou-se e retirou a blusa e o soutien. Depois se livrou do short, voltando a deitar-se. O garoto foi dominado mais uma vez pelo tremor e pelo desejo irresistível. Abaixou a cabeça, apertando com as mãos aquilo que intumescia, tentando conter-se. Quando ergueu a cabeça, a porta foi aberta. Ele arregalou os olhos e engoliu em seco. Antes que tentasse fugir, foi bruscamente puxado para dentro. A porta fechou-se e foi trancada.

Assustado e sem conseguir dizer uma palavra, o garoto foi levado pela tia para a cama. Rosinha deitou-se e puxou sua cabeça contra os seios descobertos. O garoto enfiou o rosto imberbe entre os volumes e sentiu a maciez da pele azeitonada. Sem que ela nada dissesse, ele passou a sorvê-los com avidez. Os sons da televisão, que permaneceu ligada a baixo volume, misturavam-se aos sussurros de Rosinha. O corpo miúdo perdeu as roupas e envolveu-se ao corpo perfumado. Suas mãos inseguras acariciavam, apertavam as curvas que seus olhos tanto desejavam. Tomado por surpresas, entrou em êxtase, quando sentiu a tia envolver-lhe a virilidade e passar a sugá-lo. Tentou gritar, mas a cortesã tampou-lhe a boca no momento que as energias irromperam dentro do corpo esquelético. Exausto, prostrou-se ao lado dela. Carícias e sussurros obscenos despertaram novamente o garoto que recebeu a ordem de possuí-la. Os dois explodiram em prazer e depois ficaram abraçados, calados, introvertidos no vazio que surgiu dos corpos que se uniram. O ato luxurioso se repetiu, e novamente se repetiu. Minutos depois estavam exaustos, mas felizes. Súbito, com um sorriso nos lábios, Rosinha puxou-o pelo braço e o expulsou do quarto, fechando a porta. Com as roupas nas mãos, ele voltou para o seu quarto e dormiu pesadamente. O fato passou a se repetir todas as noites, como um vício.

O garoto adorava a rotina que sua vida tomara. Durante o dia, brincava com os garotos da rua. À noite, ocultamente brincava com a tia, descobrindo fantásticos prazeres até então desconhecidos por ele.

Numa manhã, depois de brincar muito com os colegas, voltou para casa da avó, para beber um pouco d’água. No instante que abriu o portão, vislumbrou na varanda da casa a figura do pai, conversando com a avó e a tia. Seu rosto contraiu-se e uma dor surgiu-lhe no peito, fazendo sumir a expressão de alegria que passara ter. Cabisbaixo, caminhou devagar até a varanda. Quando lá chegou, encarou o pai. Percebeu que a fisionomia carrancuda do déspota estava pior do que antes. Ele falava e balançava a cabeça em clara discordância. Quando viu o filho, manifestou desagrado. O garoto caminhou até ele e fitou-o nos olhos. Pediu a benção do pai e ele respondeu:

- Arrume suas coisas... vim buscar você.

O garoto olhou para a Rosinha, que não escondeu sua tristeza.

- Mas pai, eu estou bem, falei com a mamãe por telefone e...

- Vamos para casa... você já ficou tempo demais por aqui.

- Mas pai, eu estou gostando tanto de ficar aqui na casa da vovó...

- Sim, ele está gostando muito... – retrucou a avó, sendo logo interrompida pelo pai.

- Você já ficou por aqui além da conta. Tem que voltar para casa...

- Mas pai...

- Sua mãe está com saudades e, eu também... Estou com saudades de brigar com você... Vai arrumar suas coisas... vamos embora... agora.

Os olhos do garoto marejaram. Ele abaixou a cabeça e dirigiu-se para o quarto. Minutos depois, saía com a bolsa velha nas mãos. Despediu-se da avó e, quando abraçou a tia, caiu em prantos. Rosinha consolou-o. Em seguida, ele caminhou em direção ao portão da casa, escoltado pelo pai. Olhou para trás e, com os olhos úmidos, acenou para a tia que nunca mais veria. Alguns anos depois, Rosinha foi agredida violentamente pelo detetive com o qual mantinha relacionamento amoroso. Caiu na rua e bateu com a cabeça no meio-fio da calçada. Vítima de um forte traumatismo craniano, ela veio a falecer no hospital.