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"A literatura insinua e coloca questões muito mais do que as responde ou resolve."

-------------------Milton Hatoum, escritor brasileiro



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quarta-feira, 5 de maio de 2010

A PEDOFILIA NA IGREJA CATÓLICA (I)

Quando pequeno eu frequentava a igreja católica por imposição de meus pais. Depois, por motivos diversos, afastei-me da presença dominical à missa, rotina que retomei anos mais tarde e que mantenho com regularidade. Na ingenuidade e imaturidade de minha juventude, eu via no padre – homem comum que recebeu as ordens sacerdotais e que ministrava os sacramentos da igreja – uma figura imaculada, honesta, de boa moral e bons costumes. A batina impecavelmente passada e engomada; os cabelos grisalhos e curtos, que depois passaram a ser escuros nos padres mais jovens; o rosto de fisionomia carrancuda que, por vezes, apresentavam óculos que lhe davam mais seriedade; personificavam a pessoa digna e respeitável que era o padre. Eu tinha respeito e admiração por sua imagem e personalidade e julgava que fosse alguém acima de todos os homens, mais próximo de Deus por seu conhecimento religioso, por sua conduta e moral ilibada. Mas, infelizmente, eu era jovem e imaturo e os tempos, os tempos passaram.

Esclareço que não sou fanático. Sou católico, cristão convertido, seguidor do Caminho de Jesus Cristo. E não tenho nada contra o homossexualismo e nem sou simpatizante da causa, tenho respeito e aceito a orientação ou opção sexual de cada um. A sexualidade é algo pessoal, cabe exclusivamente a cada um não importando aos outros, apenas ao interessado e a quem a ele se relaciona.

Por baixo da batina sempre existiu e existira o homem, figura imperfeita, sujeita às tentações e aos males mais diversos e traiçoeiros. Mas apesar de homem cônscio de sua escolha pelo celibato, pelo exercício sacerdotal, todo padre deveria, a fim de não macular os princípios e mandamentos divinos, logo que percebesse a perda da virtude, da convicção pelo exercício da profissão que optou, devido à descoberta de sua inclinação para outra profissão ou atividade, ou mesmo por sua opção sexual reprimida, abandonar a carreira eclesiástica e passar a viver segundo sua verdadeira vocação. Não é vergonhoso o homem assumir sua opção sexual, mas é criminoso usar uma função na qual a sociedade o observa como figura casta, de caráter intacto, para abusar de crianças e jovens indefesos. Usar a batina para se aproximar de menores de idade, demonstrando respeitabilidade e segurança (para eles e para seus pais), atraí-los pela palavra divina e depois seduzi-los, levando-os ao caminho da confusão mental, da ruína ideológica, da autocondenação pela opção sexual a que foram impingidos, é algo impiedoso, intolerável.

O apóstolo Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, em relação ao celibato, diz: “Digo isso como concessão, e não como ordem. Eu gostaria que todos os homens fossem como eu. Mas cada um recebe de Deus o seu dom particular; um tem este dom, e outro tem aquele.”. Paulo quer dizer que aquele homem que não reconhecer em si a vocação pelo celibato não deve escolher por ele. Caso o faça, estará incorrendo em prejuízo pessoal e de outrem. E o que seria o celibato? Basicamente é termo empregado para designar uma pessoa que escolhe abster-se de relacionamentos sexuais, ou seja, aquela pessoa que não terá relações sexuais, em hipótese alguma, com outro ser. E é característica sine qua non do sacerdócio a adoção do celibato. Então, não se tem dificuldades em concluir que um padre, sacerdote ou monsenhor é um indivíduo que no momento que escolheu seu ofício, conscientemente, declinou da possibilidade de manter relações sexuais e que não poderia casar enquanto no exercício da profissão. Caso não fosse capaz de dominar seus desejos – e desejo todos nós temos – deveria optar por outra profissão que lhe permitisse casar ou ter relações sexuais sem qualquer culpa. Diante de tal premissa, um padre jamais, em momento algum, poderia abusar de crianças, menores de idade ou jovens inocentes. Abuso a menor é fato abominável, principalmente por um homem que se apresenta como modelo e mensageiro da palavra de Deus.

Ao longo dos anos, ouvi relatos de pessoas próximas a respeito de casos, não confirmados, de padres que tiveram relacionamento amoroso com fiéis. Eu não acreditava, achava que era um absurdo, mas como nada era confirmado e eu não tinha nenhuma notícia divulgada pela mídia, limitava-me a não dar crédito ao comentário. Porém, foram aos poucos surgindo casos e mais casos e destes casos, alguns eclodiram discretamente na imprensa, de tal forma que nos últimos quatro anos surgiram várias denúncias de abuso de menores perpetrados por padres da igreja católica. O absurdo tornou-se algo palpável. No contexto das denúncias ficava fácil identificar uma ação de ocultação dos fatos e de seus autores. Mas porque a igreja, instituição com um dos maiores índices de credibilidade pública, ocultaria esses abusos, esses crimes cometidos contra crianças, seres preferencialmente amados por Deus? Em Lucas 18, 16: “Jesus, porém, chamou os discípulos e disse: ‘Deixem as crianças vir a mim. Não lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas’.” Diante de tal princípio bíblico, no qual Jesus Cristo valoriza as crianças e sua pureza espiritual, por que ou por quais motivos a igreja procurou ocultar esses crimes? Talvez uma das razões esteja no passado.

Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, nasceu numa pequena vila da Baviera, na Alemanha. Seu pai também se chamava Joseph e era comissário de polícia do Reich. Ratzinger-pai era profundo religioso e adepto de uma corrente religiosa católica. Resoluto adversário do regime nacional-socialista, enfrentou sérios problemas devido às suas firmes ideias políticas, tanto que mudou da cidade em que residia por demonstrar forte contrariedade em relação aos nazistas. Em 30 de janeiro de 1933, Hitler foi nomeado chanceler e por um longo período o Reich limitou-se a espionar e ter sob controle os sacerdotes que se demonstravam hostis em relação ao regime. Ratzinger-pai não colaborou com o regime como também ajudou e protegeu os sacerdotes que se encontravam em perigo. Sem dificuldades percebemos que o Papa Bento XVI teve exemplos muito próximos de ajudar e proteger (ocultar, salvaguardar) sacerdotes da igreja católica quando ameaçados por qualquer elemento externo.

Tornou-se notícia em muitos jornais o fato da igreja católica ocultar casos de pedofilia, sobretudo nos Estados Unidos da América. O chefe da maior diocese da igreja católica nos EUA, o cardeal de Los Angeles, Roger Mahony, revelou recentemente que está sendo acusado de assédio sexual por uma mulher. Ele desmentiu as acusações que se referem a um incidente ocorrido há mais de trinta anos. O cardeal é o mais importante sacerdote católico americano a ser acusado de abuso sexual depois de uma série de escândalos correlatos nos últimos meses. Estaria essa mulher, uma das fiéis de sua paróquia levantando falso testemunho? Ela faria isso com objetivo apenas de desmoralizar o cardeal e obter uma gorda indenização?

John Geoghan, um ex-padre em Boston, foi condenado por molestar uma criança, segundo uma notícia presente na internet. Ele foi condenado, ou seja, foi a julgamento e constatou-se sua responsabilidade no crime de pedofilia. Será que tal fato não chegou ao conhecimento do Papa Bento XVI?

Ainda em Boston, EUA, mais de 400 pessoas anunciaram que vão processar padres da arquidiocese da região por supostos abusos sexuais cometidos. Devido a estas denúncias, descobriu-se que a igreja católica ignorou, ou melhor, ocultou acusações de abuso sexual contra padres em várias paróquias americanas. Pelo que se levantou, para abafar (ocultar) os casos ocorridos, a igreja articulava e executava transferências dos padres envolvidos em abusos sexuais para outras paróquias, de forma a velar os casos e “limpá-los” do pecado perpetrado. Será que o Papa Bento XVI também não sabia desses casos? Será que o Vaticano, estado eclesiástico, que controla todos os atos e fatos da igreja católica desconhecia os casos que envolveram esses padres? Será que o Vaticano deixou de informá-los ao Papa tempestivamente? Pelo que parece ou deixa transparecer, o Vaticano não deixou de tomar providências, mas também ocultou fatos graves em relação a estes “homens cobertos de batina”.

Segundo informações midiáticas, no ano passado, em torno de 300 padres americanos foram removidos de seus cargos devido a alegações de abuso sexual de crianças. Ainda nos EUA, em levantamento realizado no ano passado verificou-se que mais de 20% das crianças abusadas sexualmente pelos padres e sacerdotes não tinha sequer dez anos de idade quando foram molestadas. Que medidas drásticas e sanções efetivas a igreja católica adotou? Segundo fontes da mídia, os cofres da igreja nos EUA foram abertos e mais de US$ 430 milhões foram pagos em indenizações às vítimas de pedofilia. A fonte informa que esse dinheiro é usado para “compensar” as vítimas ou para abafar os escândalos. Compensar?! Compensar vítimas e seus pais que as entregaram aos cuidados de um padre ou sacerdote para administrar-lhes os ensinamentos cristãos? É possível “compensar” um ser pela ação criminosa e iníqua de um padre, pessoa considerada idônea, de aparente caráter imaculado? É aceitável permitir que continue em liberdade um homem que se aproveitou de sua condição eclesiástica para perpetrar crime de natureza indelével em crianças, jovens e até mulheres? É admissível uma instituição secular manchar sua credibilidade com a ocultação de tais crimes?

E diante de tantas interrogações, mais uma que não quer calar:

É tolerável a permanência e impunidade de pedófilos no clérigo?

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