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-------------------Milton Hatoum, escritor brasileiro



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sexta-feira, 14 de maio de 2010

BELO MONTE E A QUEIROZ GALVÃO

O coração tem razões que a própria razão desconhece. E o caixa financeiro de uma empreiteira também. Mas qual a diferença singular entre ambos? No coração, as razões são desconhecidas, obscuras, embora eloquentes. No caixa da empreiteira, há muitos corações nos quais fervilham interesses claros, evidentes. Lucros, prestígio, expansão do capital.

Quem é a Queiroz Galvão e qual a sua relação com a usina de Belo Monte?

A empreiteira Queiroz Galvão surgiu em 1953, fruto da iniciativa de quatro irmãos. O arcabouço financeiro inicial da empresa de núcleo familiar foi o capital gerado pela venda de uma picape Chevrolet, um Ford 1949 e um jipe 1948. Mas de boa vontade todas as empresas contam. A prova de fogo da pequena empresa logo foi a primeira obra, que se constituiu no sistema de abastecimento de água do município de Limoeiro, no interior pernambucano. E tudo foi coroado de sucesso. Depois investiram na construção de estradas e... novos méritos. Com a expansão da malha rodoviária nordestina veio o sucesso e ele levou-os a almejar voos mais altos. O grupo buscou oportunidades na região Sudeste, fato que resultou na transferência da sede da empresa para a cidade maravilhosa. A expansão das obras públicas na década de 70 fez a Queiroz Galvão crescer e aspirar novas áreas de atuação. Investiram, sem temor, nas perfurações petrolíferas, e não pararam por aí. Passaram a investir e atuar no mercado imobiliário, construção civil, engenharia ambiental, agropecuária e siderurgia. Isso retrata apenas a história da empreiteira que não difere muito de suas concorrentes.

Atualmente, embora a sede da empreiteira Queiroz Galvão seja no Recife, seu consultor João Queiroz Galvão permanece no Rio de Janeiro, de onde comanda o grupo. A Queiroz Galvão ou “QG”, lembrando “Quartel-General”, como alguns a chamam pela magnitude que atingiu, é a quarta maior empreiteira do país. O motivo? Com a receita de dois bilhões de reais que disparou em dígitos para os atuais RS 5,5 bilhões, tornou-se uma empreiteira de significativa grandeza. Com esta posição ombreou capacidade de trabalho e competência com suas concorrentes diretas que são a Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. João Queiroz Galvão – um homem de cabelos grisalhos, fisionomia simpática e atitudes simples – preserva até hoje a discrição que caracteriza o grupo que criou juntamente com os irmãos. Evita os holofotes. Mantém uma relação distante e amistosa com a mídia. Pelo que demonstra, gosta do trabalho silente, dedicado, que apresenta resultados positivos.

Inúmeros brasileiros não conhecem pessoalmente a região Norte do Brasil. Quem a conhece define como uma imensa região, revestida por um dossel verdejante e exuberante, onde nada se avista até o longínquo horizonte, a não ser a contínua cobertura vegetal. A área de Belo Monte não poderia ser diferente. A região onde será construída a usina hidrelétrica fica no município de Vitória do Xingu, no Estado do Pará. Próxima a ela fica a cidade de Altamira, a mais desenvolvida e que conta com a maior população da região, em torno de 98 mil habitantes. Existem outros municípios menores cuja população gira em torno de vinte mil habitantes. O rio Xingu resvala suas águas por Belo Monte e por Altamira, bem como por alguns municípios e povoados, como a aldeia Paquiçamba.

A usina será a terceira maior do mundo e totalmente brasileira. A previsão é que produzirá 11 mil MW, gerando uma produção anual de 40 mil GWh, energia capaz de suprir 22 milhões de residências. Só para se ter uma ideia, Itaipu (binacional) gera 14 mil MW. Muitos de nós desconhecemos os fatores que implicam na construção de uma hidrelétrica, particularmente na região amazônica. São vários e não os abordarei na totalidade. Existe o impacto ambiental, a relação custo-benefício inerente ao empreendimento, a relação econômico-financeira, os interesses políticos, os danos sócio-econômicos, psicológicos e os prejuízos à biodiversidade. Além da construção da barragem, diques, eclusas, casas de força e canais, há a preparação e construção de uma vasta área a ser alagada, com a finalidade de gerar um reservatório (lago artificial) necessário à produção energética. A invasão das águas na área a ser alagada não somente cobrem a mata, mas elimina toda forma de vida ali existente. E aí ocorrem os prejuízos à biodiversidade. E o que é biodiversidade? O termo compreende a riqueza e a variedade do mundo animal, ou melhor, abrange todas as formas de vida (plantas, animais e microrganismos) e as inter-relações no ambiente em vivem, no qual a existência de uma espécie afeta diretamente muitas outras. A usina de Belo Monte deverá ter um reservatório de 516 Km² que ocupará os municípios de Altamira, Anapu, Brasil Novo e Senador José Porfírio. Esse reservatório irá eliminar da face da Terra uma quantidade imensa e inestimável de plantas e animais que jamais serão recuperados. Mas relevante estrago não se verificará somente no lado da barragem que abriga o reservatório. Do outro lado, onde ocorre a redução do volume das águas, acontece um impacto ambiental talvez muito maior e mais devastador. Por 100 quilômetros o rio Xingu passará a ter uma vazão mínima de águas, ou seja, uma redução significativa nas águas disponíveis. E nessa extensa região existem tribos indígenas, ribeirinhos e a floresta, com plantas, animais e microrganismos (a biodiversidade). Quando as águas diminuem, animais e plantas morrem, os peixes escasseiam e a navegabilidade do rio se reduz. Os indígenas passarão fome, porque na Amazônia o índio vive basicamente de caça e pesca. Faltará a caça, porque a floresta diminuirá. Faltará a pesca, porque o volume do rio diminuirá. Faltou alimento, o índio não tem a comodidade que nos é comum de ir ao supermercado, ele não vai à mercearia da esquina, porque na região amazônica não existem supermercados de fácil acesso ou mercearias na esquina, apenas nas localidades de vulto, que ficam distantes e ele depende da navegabilidade do rio para chegar até elas. Existe a mata, o céu, o rio, a solidão, o abandono. Os danos sócio-econômicos e psicológicos às tribos e ribeirinhos que lá vivem serão arrasadores. E as autoridades responsáveis pela construção da usina não sabem disso? A mídia divulgou que determinaram pesquisas, e não tomaram conhecimento do que pode acontecer? Desconhecem totalmente os prejuízos que o empreendimento poderá causar? O Ministério Público, antes do leilão, questionou o Ibama a respeito e seus técnicos não garantiram a viabilidade ambiental da usina de Belo Monte. E não foi apenas num parecer, mas em vários pareceres. E mesmo assim, num ano de eleições, as autoridades forçaram a realização do leilão. Vemos aí os interesses políticos agindo, de forma velada e sorrateira. Certamente alguém levará vantagem na realização desse empreendimento. Em relação a potência instalada, dados indicam que a produção energética média mal passará dos 4 mil MW, menos ainda quando o regime das águas do rio diminuem em alguns meses do ano, devido a redução significativa do índice pluviométrico, característica peculiar da região amazônica. Ora, pretende-se construir uma “ferrari” que frequentemente andará como um “carro popular”. É um contrassenso. E a coisa se agrava quando falamos no custo da obra. Está calculado que será de R$ 19 bilhões, não contando os enormes linhões que atravessarão a floresta (causando mais impacto ambiental) e que estarão muito longe dos centros consumidores. As empreiteiras calculam que ele não sairá por menos de R$ 30 bilhões. E aí temos um dilema: vale a pena alagar a selva amazônica, eliminando plantas, animais e... sacrificando os índios? Não existem fontes de energia alternativas em nosso país?

A energia hídrica é barata, mas nem tanto. O Brasil tem outras fontes de energia alternativas que são pouco valorizadas pelas autoridades, porque são fontes que não geram votos, atrapalham interesses políticos diversos e não permitem o desvio de recursos públicos. Temos como explorar a biomassa, que é de baixo custo, renovável, que permite reaproveitamento de resíduos. A energia eólica que é aquela gerada pelo vento, é uma energia limpa. Embora pouco utilizada, é uma fonte de energia que não gera poluição e não agride o meio ambiente. Através do movimento do vento, aerogeradores – que são grandes turbinas em forma de cata-vento colocadas em locais abertos e com boa quantidade de vento – produzem energia elétrica. Imagine o Brasil, com sua extensa orla marítima adornada por colônias de aerogeradores, de Nordeste a Sul? Seria um avanço na produção energética não poluente, um exemplo de preservação e conservação da Amazônia e da biodiversidade, além de ser uma atração turística mundial. Para se ter uma ideia da validade da energia eólica, na Alemanha, no ano passado foi produzida 25.800 MW de energia eólica; na Espanha, 19.150 MW; Em toda União Européia, 75 mil MW. Se abordarmos o assunto por outro viés e olharmos para o grande potencial fotovoltaico (energia solar) que podemos produzir no país, não há porque se optar pela destruição da biodiversidade, não há razão plausível para destruir, inundar, devastar a região de Belo Monte, causando um inestimável prejuízo ambiental à região, bem como dano sócio-econômico aos habitantes de localidade tão distante e prejuízo financeiro aos cofres públicos.

A regra básica do leilão da usina de Belo Monte era que o consórcio que oferecesse o maior deságio levaria o empreendimento. Como no turfe, havia o favorito, constituído pela construtora Andrade Gutierrez, pela Vale, por Furnas e pela Neoenergia (uma poderosa do setor energético controlada pelos fundos de pensão estatais). Ele ofereceu R$ 83 por megawatt/hora. Surpreendentemente, “por alguns corpos de vantagem” é que surge o “azarão”. Um grupo liderado pela discretíssima “QG”, ou melhor, empreiteira Queiroz Galvão. Ele vence o páreo e causa surpresa a todos. Mas voltemos ao período que antecede o certame do leilão.

Semanas antes do leilão havia apenas dois consórcios formados. Um com a Andrade Gutierrez e outro composto por Odebrecht e Camargo Corrêa. Apesar desta aparente articulação, o empreendimento na realidade seria repartido pelas empreiteiras acima e a “QG”. Às vésperas do leilão, Odebrecht e Camargo Corrêa abandonam o certame e deixam o governo refém de uma única proposta, comprometendo o leilão. O governo deseja que ocorra o leilão, custe o que custar, embora sua vontade levante suspeitas políticas num ano eleitoral. Mendes Júnior e Celendo, outras grandes construtoras se interessam pelo negócio e tentam um conluio com a Galvão Engenharia, uma dissidente da “QG”. Surge a possibilidade de concorrência no leilão e a “QG” sente-se ameaçada. O “azarão” entra no grupo organizado, às pressas, pelo governo. Talvez seja aí que começa o pivô da discórdia, pois a “QG” queria a garantia de realizar 80% das obras civis do empreendimento, proposta considerada abusiva pela Eletrobrás. Sua proposta é recusada e com a baixa tarifa (R$ 78 por megawatt/hora), João Queiroz Galvão decide abandonar o negócio. Por quê? Porque a construtora que nos últimos quatro anos dobrou de tamanho no Brasil abandonaria um negócio tão lucrativo? Um negócio que não só lhe proporcionaria prestígio e reconhecimento internacionais, mas lhe abriria as portas para novos e grandes empreendimentos? A resposta foi o risco. Caso a “QG” permanecesse no grupo deveria assumir 10% do risco de sua execução. Houve pressão dos altos escalões do governo e do próprio presidente Lula, que desdenhou da importância da presença da “QG” na construção da usina de Belo Monte. Essa postura presidencial fez João Queiroz Galvão repensar sua posição, levando-o a voltar ao negócio. E o grupo vencedor foi o seu, que deverá arcar com a responsabilidade de executar um empreendimento envolto de aspectos obscuros, cujos custos de construção e manutenção são altos e incertos. A “QG” fará um bom negócio no empreendimento de Belo Monte? Será que os holofotes que agora incidem sobre sua discreta imagem, trazendo-lhe prestígio e reconhecimento, não a levarão a um desfiladeiro letal, de sombras e prejuízos sucessivos? Sua imagem não se desgastará pelas intrigas que poderão advir devido aos diversos percalços e divergências já demonstrados no leilão e posteriormente na execução do empreendimento?

Que a Queiroz Galvão e seus inúmeros integrantes tenham a serenidade e perseverança necessárias à condução de empreendimento tão grandioso e repleto de fatores coadjuvantes adversos, não se deixando abater por intrigas, conchavos e outras ações obscuras e desleais. E que a nossa biodiversidade em Belo Monte seja o mínimo afetada. É o que desejam todos os brasileiros.

Um comentário:

Unknown disse...

Considero importante, muito válida a publicação desta crônica. Através dela os leitores poderão compreender e terão dados para auxiliar na formação de opinião à respeito da construção deste empreendimento. É fato que a construção da usina de Belo Monte será considerada polêmica, os interesses são vastos e divergentes, certamente teremos diversos pontos de vista. Gostei, parabéns pela publicação desta crônica!

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