Completara sessenta anos de idade. Estava casado há trinta e cansado. Tinha dois filhos adolescentes, que mais o aborreciam do que lhe davam satisfação. A loja de material de caça e pesca ia bem, rendia bons lucros, permitindo uma estabilidade financeira agradável. Apesar da idade, a saúde física estava equilibrada. Entretanto, a mental não ia bem. Quanto tempo já se passara desde que saiu da miséria. O tempo não o fizera esquecer as dificuldades e frustrações do passado. Deixara talvez de viver dias melhores e mais felizes devido a um casamento precoce. No início tudo era paixão, tudo era amor e rosas. Os conflitos e divergências surgiam e desapareciam, como os pássaros que vinham, pela manhã, pousar nos galhos frondosos da árvore que crescera ao lado da janela do quarto do casal. Não se separara por recear o espectro da solidão ou por não desejar iniciar tudo novamente? O tempo era inflexível. Não adiantavam súplicas ou rogos. Não permitia recuperação daquilo que deixara de fazer. O tempo lhe traía e ele tentava não pensar, mas quando lembrava se tornava melancólico assim que o percebia. O tempo se encarregou de minimizar a incandescência do amor e murchou as rosas. Vivia uma relação de conveniências. Mas e se conseguisse voltar atrás, no tempo? Caminhar novamente pelo labirinto da vida em caminhos que ainda não havia percorrido? Como seria sua vida? Certamente não faria as escolhas que fez, não perpetraria os erros que cometeu. Em certos momentos achava-se grotesco em relação aos devaneios que o acometiam, que traziam à superfície suas maiores dores, suas maiores frustrações. Não tinha com mudar sua vida e muito menos alterar o tempo. Acreditava que a vida não era feita de tentativas e erros, mas sim de dilemas e escolhas.
Cláudio retornava para casa, a pé. Devido a um problema mecânico, deixara o carro numa oficina. Caminhava sozinho, convoluto em melancolia. Quando chegasse em casa, começaria outra rotina. Beijar a mulher que esquecera da auto-estima que tinha quando o namorava. Sentir o aroma de alho e azeite que o corpo rotundo exalava, desestimulando-o a qualquer desejo quando estivesse na cama. Ele balançou a cabeleira grisalha, como se alguém estivesse a seu lado ouvindo seus pensamentos.
Faltavam apenas dois quarteirões para chegar em casa, quando ele se deparou com um homem de aparência sombria que caminhava em sua direção. Evitando o encontro, abaixou a cabeça e atravessou a rua, dirigindo-se para a calçada oposta. Quando lá chegou, assustou-se. O homem o aguardava, postado sobre o meio-fio.
- Por que está fugindo de mim?
Cláudio surpreso, parou de repente.
- Sim, porque está fugindo de mim? – perguntou novamente o desconhecido.
- Eu, eu não estou fugindo, nem o conheço...
- Claro que conhece, só não acredita que eu possa fazer alguma coisa por você.
Cláudio contraiu o rosto. Estava confuso.
- Quem é você?
- Sou aquele que muitos rejeitam, mas que muitos se tornam adeptos...
- Não estou entendendo...
- Veja bem, você está com sessenta anos, cansado do casamento, frustrado com essa vida regrada e cheia de responsabilidades e contas para pagar... imagine que pudesse voltar no tempo, pudesse realizar tudo aquilo que deseja e que não pôde realizar... você não gostaria de sair com lindas mulheres, mulheres que quando você era jovem, não existiam e que agora existem... não é verdade?
A hesitação impregnou o rosto de Cláudio. Sua expressão denunciou-o, confirmando um dos desejos que o perturbavam, mas que ele recalcava. O desconhecido penetrara na redoma que Cláudio criara para ele mesmo. Descrente, ele sorriu em desdém e disse:
- Não o conheço e ainda estou aqui ouvindo essas asneiras...
- Não acredita no que eu digo?
- Desculpe, mas mesmo que conseguisse me fazer voltar no tempo, coisa que considero absurda, eu estaria velho, cansado como estou, pouco atraente...
- Acha que não posso? Pense na proposta...
- Não, desculpe, mas eu tenho que ir, até logo.
Cláudio foi embora. O homem observava-o caminhar. Percebeu que tocara no íntimo melancólico do sexagenário, que conseguira atingir suas fragilidades tão ocultas.
No momento que fechava o estabelecimento, Cláudio foi abordado pelo mesmo homem de aparência sombria que encontrara há três dias atrás.
- Lembra de mim? – perguntou o desconhecido com um discreto sorriso.
Assustado, Cláudio fitou-o nos olhos escuros e amedrontadores.
- Então, pensou na minha proposta?
- O que você quer comigo? Eu, eu não estou entendendo...
- Não se faça de desentendido... sei que no fundo desejaria ter outra vida, outra oportunidade de viver prazeres que essa vida que considera medíocre não lhe permite...
Cláudio ficou surpreso e confuso. Como aquele desconhecido poderia saber tanto a seu respeito, sem que ele nada lhe tivesse dito.
- Quem é você?!
- Quem eu sou não importa no momento... então, aceita voltar no tempo ainda jovem, na época atual, totalmente livre, para viver uma nova vida?
Cláudio estava atordoado.
- Como pode saber tanto sobre mim?
- Não importa... aceita minha proposta?
- Não, isso é bobagem, desculpe, eu preciso ir e... por favor, não me procure mais.
O homem sorriu, vendo-o caminhar depressa para casa. Passaram-se três dias e ele se preparava para fechar a loja, quando foi abordado novamente pelo mesmo homem.
- Aceitou a minha proposta?
- Por que insiste com esse absurdo?
- Porque sei que no fundo assim o deseja.
Cláudio ficou encarando o desconhecido. Estava indeciso, mas algo o levava a aceitar, afinal que mal haveria voltar no tempo e fazer tudo aquilo que tanto desejava e que por uma escolha errada, sua vida enveredou por caminhos que acabaram tornando-o um homem melancólico e infeliz. Súbito, ele disse:
- Está bem, está bem, eu aceito... que mal vai haver? Talvez aceitando essa bobagem você desapareça da minha frente... o que tenho que fazer?
- Simples – disse o homem. – Somente aperte a minha mão... agora!
Cláudio hesitou, mas depois obedeceu. No instante que as mãos se uniram, algo insólito aconteceu. Todo o corpo de Cláudio se arrepiou. A mão do desconhecido era áspera e fria. Ele sorriu tenebrosamente e um esgar surgiu no rosto empalidecido do comerciante. A visão deste ficou turva e ele nada mais viu.
Cláudio acordou e foi ao banheiro. Um brilhante sorriso estampou seu rosto jovem quando ele se contemplou no espelho do banheiro. Era jovem novamente, como nos seus vinte e dois anos de idade. O corpo tornara-se vigoroso e esbelto. Os cabelos adquiriram a negritude da época. Ele sorriu. Foi até a sala e percebeu que estava no apartamento que morou quando ainda solteiro. Olhou para a mão esquerda e não havia aliança de matrimônio e nem marca pretérita dela. Ele sorriu de alegria. Consultou o relógio e era noite. Vestiu-se elegantemente e saiu. Foi a uma boate. Conquistou uma linda mulher, de curvas enlouquecedoras. Eles fizeram sexo por toda a madrugada. Pela manhã, Cláudio acordou com forte dor de cabeça. Foi ao espelho e contemplou-se. Era jovem, forte e atraente. Passou o dia a comprar roupas. Comprou um carro esporte, consumindo todas as economias que tinha. À noite, vestiu-se e saiu. Foi a outra boate. Nesta dançavam possantes morenas e grandes loiras. Envolveu-se com duas belas mulheres. Uma morena e uma loira. Compartilharam um ménage à trois. Cláudio passou a beber, mesmo durante o dia, o qual praticamente não via, em vista que acordava no fim da tarde. Ele passara a viver na noite, em bares e boates, recrutando minissaias e calças justas para partilhar uma cama. Noites e noites e novas e emocionantes aventuras sexuais. Ele gozava de prazeres carnais com as mais belas mulheres que conhecia. Passara a andar em alta velocidade com o carro esportivo, sempre em companhia de alguma beldade de cabelos esvoaçantes. Meses se passaram e ele sorria, não acreditando que tudo aquilo realmente acontecia e que não era um sonho.
Numa noite, quando deixava o apartamento, Cláudio deparou-se com o homem que mudou sua vida.
- Você?! O que está fazendo aqui?!
- Vim cobrar o que me deve...
- Não lhe devo nada!
O homem sorriu, balançando a cabeça de um lado para o outro.
- Esqueceu que vendeu sua alma para mim?
Houve um instante de silêncio. Cláudio arregalou os olhos quando percebeu o que estava acontecendo.
- Não!! Impossível! Isso não é verdade!! Não pode ser verdade!!
O homem se aproximou e fulminou-o nos olhos.
- Achou que podia voltar no tempo, adquirir sua juventude de volta, mudar sua escolha de vida sem que para isso nada tivesse que dar em troca?
O homem volveu o corpo e desapareceu tão rápido que ele não pôde ver para onde foi. No instante seguinte, uma dupla de assaltantes o abordou. Cláudio reagiu quando um dos bandidos lhe pediu o relógio Rolex que usava. Foi morto a tiros.
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