- Eduardo? O que foi Eduardo? – disse Cibele percebendo o olhar devaneante do detetive.
Ele despertou, apresentando uma expressão constrangedora.
- No que você estava pensando?
- Na minha vida... sou um homem solitário, não sou de ter muitos relacionamentos, acho que devido à minha profissão, afinal quem quer compartilhar suas emoções, seus sentimentos com um homem que vive arriscando a vida no combate ao crime?... quem deseja ter como marido um sujeito que sai no meio da madrugada para realizar campanas?... acho que poucas mulheres se sujeitam a esse modelo de vida...
- Sim, é verdade, poucas...
- Então?... mas quanto ao fato de não levar você logo para a cama, é uma questão de respeito, gostei de você desde o momento que te vi no pronto-socorro, naquele fim de tarde chuvoso...
As palavras de Macário tinham o efeito de ondas espumosas e cristalinas de um mar bravio, a arrebentar, em sons díspares e estridentes nas encostas escarpadas do coração de Cibele. O olhar da médica novamente cintilou, mas com um brilho diferente.
- Você pode achar que não, mas se tornou importante para mim, para a minha vida...
Um momento mágico estabeleceu-se e eles ficaram calados, tocados pelo calor de suas essências. Suas respirações desequilibraram-se, seus anseios emergiam, exalados pelos poros, como fragrâncias inebriantes que evolavam em torno deles, numa união sideral de identidades.
- Estou, estou apaixonado por você – pronunciou o detetive esfuziante.
A essencialidade de suas palavras envolveu o espírito da médica. Seus olhares encontraram-se e ela sentiu-se tragada a um recôndito do coração do homem da lei. Um coração que inegavelmente era quente para ela e frio para aqueles que maculavam os princípios da justiça.
- Você é importante para mim... quero que acredite nisso – afirmou o detetive compenetrado.
Num movimento tenro e suave, ele estendeu o braço e tocou sua mão que repousava sobre a toalha da mesa. Eles ficaram entreolhando-se.
- Está realmente apaixonado por mim?
- Meus olhos não dizem isso?
- Será que posso acreditar em você?
- Porque eu mentiria?
- Homens já mentiram para mim, visando apenas um objetivo.
Um homem verdadeiramente apaixonado é capaz de atos idílicos. Seu espírito pode desentranhar efusivo o amor desconhecido, o sentimento que lhe é mais caro.
- Não tenho porque mentir... me apaixonei por você, me apaixonei pela sua voz, pelo seu sorriso, por tudo em você...
- Tão rápido?
- Ouvi dizer que o nosso coração desconhece o fator tempo quando o amor está para desabrochar... me apaixonei por você, por cada instante que estivemos juntos, em todos os momentos que nos vimos, que conversamos pelo telefone.
Cada palavra, gesto ou olhar de Macário perturbava o coração de Cibele. Tornava-se difícil para ela não evidenciar o que sua alma desejava manifestar.
- Eduardo, é que eu, eu já sofri muito porque me apaixonei pela pessoa errada – disse a médica, a voz embargada. – Os homens que conheci só queriam uma coisa comigo... minha mãe diz que poucos homens dizem a verdade e eu... eu estou cansada de mentiras.
A mão do detetive, que tocou Cibele, passou a acariciá-la.
- Já abusaram dos meus sentimentos e eu não quero ser mais um objeto nas mãos dos homens, não quero...
- Entendo e imagino que já passou, mas não posso garantir nada, apenas que estou verdadeiramente apaixonado por você e que te respeito... talvez não acredite, mas digo a verdade.
Cibele ficou a encará-lo. Demoradamente. Os segundos que se passaram pareciam para os dois uma eternidade.
- Posso acreditar no que você disse agora há pouco? Posso acreditar que não está mentindo, como os outros?
O detetive apoiou as costas no espaldar da cadeira, fitando-a nos olhos.
- Se eu disser que digo a verdade, seria muito óbvio... acho que meu comportamento prova o que sinto, olhe nos meus olhos, sinta o meu coração, perceba se digo a verdade, se sou sincero com você...
A médica continuou a encará-lo por alguns segundos. Ela também estava apaixonada e não queria demonstrar seus sentimentos. As mãos entrelaçaram-se e ela sorriu.
- Acho que posso acreditar em você.
Eles terminaram o jantar e Macário levou-a para casa. O carro do detetive estacionou em frente ao prédio onde ela morava, no bairro onde se concentrava a classe média da cidade. Eles desceram e caminharam até a porta envidraçada da portaria.
- Gostou do jantar?
- Gostei, claro que gostei, se ainda não disse, eu adorei... há muito tempo eu não saboreava uma comida tão suculenta como aquela.
- O Villeiros é um excelente restaurante – disse o detetive. – Sou cliente da casa.
- Já levou outra mulher para jantar no Villeiros?
O detetive sorriu explicitamente.
- Eu não sabia que você era ciumenta.
- Sou e assumo que sou... sou porque tudo que valorizo, é importante para mim... você já levou outra mulher no Villeiros?
- Não, ali não... como eu disse, sou um homem de poucos relacionamentos.
Ela sorriu.
- Bom, acho melhor eu subir, amanhã tenho um longo dia de trabalho...
Ele aproximou-se e segurou suas mãos.
- É ruim deixar você – disse o detetive. – Gosto de estar com você, a tua companhia me faz bem, como ninguém fez até hoje.
O toque propagou o calor de seu corpo, que aqueceu, ainda mais, o ebulitivo coração da médica. O corpo em formosura, naquele instante, foi perturbado por algo prodigioso, delicado e aconchegante. Ela tentou desviar o olhar. Instintivamente, mordeu o lábio inferior, quando sentiu suas entranhas umedecerem, tentando controlar o desejo irrefreável que a dominou.
- Cibele...
Os olhos azuis, da morenice brejeira, fitaram-no nos olhos. Ele aproximou-se mais e seus rostos tocaram-se. No leve contato da pele, eles cerraram os olhos. A língua de Cibele, num movimento discreto, percorreu a boca retocada no toalete um pouco antes de sair do restaurante, deixando-a umedecida.
- Cibele...
- Eduardo...
Ele passou a beijar, com delicadeza, as faces do rosto macio. O coração da médica passou a palpitar mais rápido.
- Cibele, Cibele... – sussurrou o detetive.
Suas mãos cingiram a cintura torneada e, num ardume, ele beijou-a. A médica abraçou-o com vigor, não conseguindo mais reprimir o desejo que lhe perturbava. As sôfregas mãos acariciavam os corpos, em regozijo, ora passando pelos cabelos, ora percorrendo as costas. O ósculo foi longo, doce, intenso. Ao fim dele, Cibele acariciou o rosto de Macário.
- Acreditei no que você me disse – murmurou a médica. – Até mais ver...
Ela afastou-se rápido e abriu a porta envidraçada. Caminhando depressa, olhou para trás, notando que era perseguida pelo olhar apaixonado do detetive. Em segundos, desapareceu no saguão da portaria, subindo as escadas de acesso ao pavimento superior. O detetive ficou extasiado. Seus pensamentos entraram em efervescência pelo momento que se formou. Súbito, ele percebeu que estava sozinho, com a imagem de Cibele caminhando dentro de sua mente. Com um radiante sorriso nos lábios, embalou a cabeça, volvendo o corpo. Com as mãos nos bolsos retornou para o carro e partiu.
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